quarta-feira, 24 de maio de 2017

Sol


Nos pusemos diante um do outro com o magnetismo invisível do acaso. Daquilo que tem o agridoce sabor do tinha-que-ser. O encontro enfim se deu, pariu um pequeno incômodo que coça, que se esconde na qualidade do miúdo, desejando tomar conta de tudo. Daí que esse tudo reverberou e desde então ressoa, ressoa em demasia tanta qual pude te desenhar perfeito mesmo eu de olhos fechados e te ler em segredo nas partituras do silêncio, ainda que eu só ande boquiaberto. Vejo - sem olhar - o céu tingido à laranja acima da praia, mas me equilibro no último penhasco de relevo frágil que restou na Terra, bem próximo ao Sol e todos os seus segredos. Você - o Sol. Olhar seu rosto é tão doloroso-misterioso quanto. De forma que talvez me encantei primeiro pelos seus reflexos. Quero chegar lá, mas não sei se mais do que quero querer chegar lá. Na maior parte das vezes só quero querer. Querer querer é sem dor. Não é o veneno da serpente da volúpia que me paralisa, mas o medo da prisão entre suas escamas. De forma que nesse chão esfarelado qualquer coisa pode ser peso, me fazer derrubado. Mesmo o som tranquilo da sua voz estremece. Mais ainda: não posso falar. O grito voaria às nuvens e inevitavelmente morreria porque entre nós há a distância do impossível, e o eu-lírico-poético-simbólico morreria junto. Quase não tenho falado. Eu que nunca fui acostumado à continência dos desejos, que outrora tinha feito pacto de só bradar no idioma da verdade, estou aprendendo assim tão tarde a por as paixões em grilhões e a me esconder em quartos na penumbra da melancolia quando as pernas vibram pra correr a passos largos até você. Mas há a areia, a areia molhada, as ondas e o resto dos oceanos. Dói, como se eu as acumulasse - as paixões - logo acima do diafragma, fazendo minhas respirações viverem pouco ou nada. Apenas o nariz acima da superfície e as pedras de gelo no estômago. Caio. Afundo.

Mergulhado me volto para os meus medos e desejos e traumas e sonhos. Toda a distância entre nós. Me volto ao âmago da minha arquitetura. O incômodo pruriginoso ainda está ali, emitindo tentáculos por entre minhas veias e fazendo morada no corpo todo. Tornou-se um componente. O fundo é escuro e tem cor de trevas, mas nele eu posso gritar que não saem sons. Só bolhas. Amor! Paixão! Desejo! Tesão! Inveja! Ora, que falsa-surpresa, então o incômodo era amor... Quando cristalizado se fez no meu corpo lânguido, boiei novamente, gélido. Os sentimentos só existem para o mundo quando colocados em palavras, mas às vezes a covardia de sermos nosso espelho interior congela as cordas e desafina a orquestra interna. Eu podia ver meu rosto na lâmina d'água. Quando enfim a música se inicia, e minha música tem só algumas notas de um piano velho com uma mulher cantando ao fundo, percebo então que se a música existe, o amor existe. Se o amor existe, existe. Não há necessidade de retribuição para que eu me aqueça com o seu calor. Há reciprocidade numa psicologia torta que me convence pouco, mas está tudo bem assim. Com esse amor tenho o universo, e se eu não erguer nenhuma barreira que projete sombras no meu firmamento, continuarei aquecido e o tempo fará anestesia na consciência da minha insignificância.

Mas ainda que eu possa sorrir e viver tranquilo, a confundir amores com ilusões, terei sempre inveja do céu. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário