Nos pusemos diante um do outro com o magnetismo invisível do
acaso. Daquilo que tem o agridoce sabor do tinha-que-ser. O encontro enfim se deu,
pariu um pequeno incômodo que coça, que se esconde na qualidade do miúdo, desejando
tomar conta de tudo. Daí que esse tudo reverberou e desde então ressoa, ressoa
em demasia tanta qual pude te desenhar perfeito mesmo eu de olhos fechados e te
ler em segredo nas partituras do silêncio, ainda que eu só ande boquiaberto.
Vejo - sem olhar - o céu tingido à laranja acima da praia, mas me equilibro no
último penhasco de relevo frágil que restou na Terra, bem próximo ao Sol e
todos os seus segredos. Você - o Sol. Olhar seu rosto é tão doloroso-misterioso
quanto. De forma que talvez me encantei primeiro pelos seus reflexos. Quero
chegar lá, mas não sei se mais do que quero querer chegar lá. Na maior parte
das vezes só quero querer. Querer querer é sem dor. Não é o veneno da serpente
da volúpia que me paralisa, mas o medo da prisão entre suas escamas. De forma
que nesse chão esfarelado qualquer coisa pode ser peso, me fazer derrubado.
Mesmo o som tranquilo da sua voz estremece. Mais ainda: não posso falar. O
grito voaria às nuvens e inevitavelmente morreria porque entre nós há a distância do
impossível, e o eu-lírico-poético-simbólico morreria junto. Quase não tenho
falado. Eu que nunca fui acostumado à continência dos desejos, que outrora
tinha feito pacto de só bradar no idioma da verdade, estou aprendendo assim tão
tarde a por as paixões em grilhões e a me esconder em quartos na penumbra da
melancolia quando as pernas vibram pra correr a passos largos até você. Mas há
a areia, a areia molhada, as ondas e o resto dos oceanos. Dói, como se eu as
acumulasse - as paixões - logo acima do diafragma, fazendo minhas respirações
viverem pouco ou nada. Apenas o nariz acima da superfície e as pedras de gelo
no estômago. Caio. Afundo.
Mergulhado me volto para os meus medos e desejos e traumas e
sonhos. Toda a distância entre nós. Me volto ao âmago da minha arquitetura. O
incômodo pruriginoso ainda está ali, emitindo tentáculos por entre minhas veias
e fazendo morada no corpo todo. Tornou-se um componente. O fundo é escuro e tem
cor de trevas, mas nele eu posso gritar que não saem sons. Só bolhas. Amor!
Paixão! Desejo! Tesão! Inveja! Ora, que falsa-surpresa, então o incômodo era
amor... Quando cristalizado se fez no meu corpo lânguido, boiei novamente,
gélido. Os sentimentos só existem para o mundo quando colocados em palavras, mas
às vezes a covardia de sermos nosso espelho interior congela as cordas e
desafina a orquestra interna. Eu podia ver meu rosto na lâmina d'água. Quando enfim
a música se inicia, e minha música tem só algumas notas de um piano velho com
uma mulher cantando ao fundo, percebo então que se a música existe, o amor
existe. Se o amor existe, existe. Não há necessidade de retribuição para que eu
me aqueça com o seu calor. Há reciprocidade numa psicologia torta que me
convence pouco, mas está tudo bem assim. Com esse amor tenho o universo, e se
eu não erguer nenhuma barreira que projete sombras no meu firmamento, continuarei aquecido e o tempo fará anestesia
na consciência da minha insignificância.
Mas ainda que eu possa sorrir e viver tranquilo, a confundir amores com ilusões, terei
sempre inveja do céu.
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