sábado, 15 de setembro de 2012

Cântaro


De alguma forma eu me lembro de ti quando me deparo com qualquer coisa que me faça interromper uma respiração. A eternidade ensaiada que compõe um susto. O abismo entre o silêncio e o toque do arco no violino. Sinto a sediciosa queda livre durante todos os ponteiros dos relógios todos. O próximo segundo pode trazer qualquer surpresa triste, como sua silhueta diminuindo na geometria do meu olhar, dolorosas janelas enevoadas. Lembro porque o que causa em mim é tão feroz que abre meus poros para a sensibilidade da Terra e no meu planeta só há catástrofes.

Sempre achei belo em você não o que possui de afetuoso, mas o que possui de urgente. Uma beleza em lampejos que faz para o meu coração o que o sol faz para os olhos, de forma até mais inebriante. O que percebo de elétrico quando entrelaço sua mão com desespero vem da mesma energia bestificante que me coloca forte para abandonar toda a minha história, porque onde há o eu na limitação do singular não há meu interesse. Contigo, composto: o que quero. Todos os outros laços que fiz vêm de tecidos de mim e fios de sangue que quero unir para fazer o nosso nó, amaldiçoando-nos na eternidade do eterno. E quando exibo toda a avaria nas gesticulações teatrais que os apaixonados comumente desenham, você abre um sorriso que é a aurora boreal cobrindo o meu deserto, e então não preciso me chover.

Outrora, a imagem de mim - uma ave confinada. Ou talvez não confinada, mas nascida já atrelada a grilhões. O canto de desmazelo ensurdecido pelas indiferenças cotidianas, o grito surdo que não reverbera em quina alguma, cantando a solidão que não cabe na extensão da própria palavra. As asas são uma promessa longínqua de um voo que nunca acontecerá. E quando o meu decerto salvador, você, apareceu entre as grades com a chave tilintando entre os dedos, não abriu a porta para que eu saísse. Abriu a porta para que você entrasse. Enclausurou-se comigo sem nenhum gemido de desconforto. Sussurrou nos meus ouvidos que o mundo lá fora também possui limites e que a nossa liberdade seria real porque viria de dentro, do imaterial. Nosso mundo seria ali e seria enorme e eu não precisaria bater asas. Melhor é te sentir com os pés tocando o chão, na esperança de raízes.

Ah... Não é como se eu quisesse uma vida romântica de alegrias continuadas. O amor está no desamparo de um meio esgar azedo de lábio, e também na sombra que tolda o rosto quando sua mão fecha meus olhos em surpresa. O suspiro decoroso e a comiseração despreocupada. Eu quero o abrasivo torpor do verão intercalado com a despedida que é comum ao outono. Acordar com a fúria escapulindo entredentes e dormir feliz feito um passarinho. Entre os vales e picos: ao regozijo desmesurado que há na felicidade e ao aprendizado cicatricial que há na tristeza, viajar...

Se existe no concreto ou no abstrato, existe e basta. Existe em mim e me sobrepuja, como três dimensões sobre duas. Todo amor é um fulgor de fantasia, fuga desmascarada, força motriz do movimento. É a única linguagem que transcreve nosso caos.