Era um domingo pela manhã, e o
mar brilhava. Mas não brilhava da mesma maneira uniforme e lisa; ao contrário, grandes
zonas iluminadas viajavam na superfície ondulada pelo vento, contrastando com a
sombra que os rochedos da ilha projetavam n'água. Algas arrancadas das pedras
pelo último temporal, rolavam nas marés intermitentes - e as gaivotas, há tanto
tempo desaparecidas do céu imenso e branco, surgiam de novo barulhentas
enchendo o ar de gritos rápidos e cortantes.
O piquenique fora combinado para
depois da missa, e junto à palmeira designada para o encontro - a mais antiga,
meia curva, com um tufo roxo de parasitas sobressaindo dentre os espinhos
negros - duas das minhas companheiras já se encontravam. De longe, vi os seus
claros vestidos correndo, saltando, na estonteante alegria que nos vinha talvez
da maravilhosa paisagem.
- Liz! Liz! - gritaram assim que
me viram. - O que você trouxe para o nosso almoço?
E, sem esperar resposta, puseram-se
a dançar em torno de mim, saltando e batendo palmas.
- Oh, Liz, como é lindo o seu
vestido! Como você fica bem de vermelho!
Coloquei no chão o pequeno cesto
que eu trazia, misteriosamente coberto por um guardanapo branco. A pequena
Sara, mais curiosa do que a irmã, repetiu a pergunta:
- O que você trouxe para o
almoço, Liz?
- Figos e morangos - disse eu,
suspendendo o guardanapo -, morangos da serra.
- Oh, eu adoro morangos! - gritou
Sara, recomeçando a saltar.
Colocado o cesto junto às outras
provisões, tudo bem abrigado sob a palmeira, fomos ver as raridades que já tinham
achado na praia: uma estrela do mar, seca e arroxeada, algumas conchas
quebradas e duas ou três substâncias gelatinosas, estranhas, frementes, de cor
azulada, incerta, que ainda parecia conter os últimos lampejos da noite
submarina.
- Cuidado, Sara, isto queima!
- Ui! - fez ela, abandonando
violentamente a matéria, que rolou inerte ao sol. Um instante ainda quedou
imóvel e azulada - depois uma onda mais forte levou-a, incorporando-a de novo
ao seu indevassável mundo escuro e líquido.
- Adeus - gritou a pequena Sara
para a onda que se retraía -, volte outra vez ao fundo do mar!
Continuamos as nossas pesquisas
e, como a espuma nos molhasse, tiramos os sapatos. Maravilhadas, deixávamos que
nossas pegadas imprimissem na areia mole. O sol, mais alto, fazia verberar
intensamente toda a vasta extensão do mar.
- Não nos afastemos muito -
propus eu -, talvez os outros cheguem e não nos encontrem.
De fato, outros companheiros
vinham chegando: Eduardo e a irmã, Amanda e Júlia. Ao todo éramos sete e
tínhamos combinado aquele piquenique para comemorarmos o início das férias. Oh,
depois do longo período de estudos, como estávamos sôfregos por liberdade, ar
livre, o vento e as praias! Como a ilha nos pareceu um recanto abençoado, com
suas rochas, suas furnas, suas árvores, sua cabeleira verde, nativa e
abençoada! Eu então, a quem a longa doença de meu pai retivera tantos meses à
sua cabeceira, olhava para tudo aquilo com um verdadeiro sentimento de
embriaguez. Uma energia nova despontava realmente no meu íntimo - e isenta de
cuidados, tonta, feliz, eu corria de um lado para o outro, sentindo a minha
alma se dilatar como se dentro dela penetrasse todo o azul do oceano. Corríamos
- e tudo nos servia de pretexto para correr: uma onda maior nos assustava, uma
borboleta amarela que vinha do mato e se desgarrava na praia, um avião cortando
alto e nítido a imensa placidez do céu...
Sim, lembra-me que Eduardo, de
joelhos sobre a erva, comia gulosamente alguns morangos furtados. Sara e Amanda
tinham desaparecido ao longo da praia - só suas vozes, agudas e alvoraçadas,
denunciavam o fervor das primeiras descobertas. Júlia, os cabelos batidos pelo
vento, tentava escalar um rochedo demasiado íngreme para suas forças. E no
centro de tudo, como um pequeno coração pulsando pela natureza inteira, eu me
achava sozinha. Foi nesse instante, exatamente, que vi o homem. Estava um pouco
distante e não perdia nenhum dos nossos movimentos. Era magro, alto e, menos do
que sua estranha atitude de observação, o que nele me chamou a atenção desde o
início foi o chocante contraste que oferecia à paisagem: não havia nada em sua
pessoa que lembrasse a claridade e a alegria que nos cercava, ao contrário,
vestia-se severamente de preto, e escondia mais ou menos o rosto à sombra de um
chapéu também preto. Não sei porque, meu coração se confrangeu, e nesse
sentimento havia algo do terror e da emoção com que havíamos contemplado
minutos antes a substância gelatinosa do mar. "Talvez seja um doente, um
desses tipos tão comuns que procuram o clima hospitaleiro da ilha" - pensei
comigo mesmo. O certo é que, sabendo-me observada, minha alegria não foi mais
tão espontânea. Corria, corria ainda fugindo das ondas que vinham se desfazer
nos meus pés, revoluteava à toa pela praia - mas já agora a figura do estranho
me obcecava. Lá estava ele, imóvel, no mesmo lugar. Meu Deus, jamais
abandonaria aquela posição?
Pouco a pouco senti que ele
exercia certa atração sobre mim e que seus olhos me fixavam de preferência.
Quase sem querer, e sem saber porque o fazia, fui me aproximando aos poucos. Vi
então que seu rosto era triste e severo.
- Bom dia - disse-me ele, sem
dúvida esforçando-se para ser acolhedor.
- Bom dia - respondeu eu, cheia
de susto, de receio e de curiosidade.
- Como se chama? - perguntou-me.
- Liz.
- Bonito nome! E vieram fazer um
piquenique?
- Sim, para aproveitar a manhã.
Ao mesmo tempo que eu falava,
pensava comigo mesma: "É um doente, só pode ser um doente. Nunca vi
ninguém tão pálido assim..."
- E que fazem vocês, correndo?
- Oh, apanhamos conchas...
estrelas do mar... coisas por aí...
Ele me fitou severamente, como se
isto não fosse uma ocupação para uma menina da minha idade.
- Já tem 15 anos? - tornou a
perguntar
- Daqui três dias farei...
- Ah! - e não disse mais nada.
Por um momento olhou em torno,
como se procurasse meus companheiros com a vista. E de repente, com voz surda e
ligeiramente trêmula, indagou:
- Não gosta de flores?
- Flores? Adoro! - respondi.
Então ele fez um sinal e
mostrou-me o rochedo mais próximo:
- Ali em cima há uma,
maravilhosa...
- Uma quê? - fiz eu, sem
compreender.
- Uma flor, uma papoula.
Não acreditei, cheguei a rir:
- Papoulas não dão sobre as
pedras...
Ele zangou-se e seu rosto se
tornou muito mais sério aidna:
- Está é uma papoula especial...
uma papoula azul.
Eu não sabia o que pensar e
fiquei olhando-o. Talvez fosse verdade, quem sabe? Sua voz era tão fria e
convincente! Como eu demorasse a responder, vi acender-se nos seus olhos um
brilho de impaciência:
- Não quer vê-la?
- Quero... mas onde está?
- Por trás daqueles cactos...
daqui não se vê.
Sobre os rochedos mais próximos,
estranhos e solitários, cresciam gigantescos cactos que o vento do mar
açoitava. Naquele minuto, não sei se acreditava ou não que existisse entre eles
uma papoula azul - sei apenas que o mistério daquele homem me atraía.
Acompanhei-o. Por trás de mim, ouvia as risadas de meus companheiros, que se
distanciavam. O homem caminhava na minha frente, curvado, ofegante, como se
tivesse pressa. Seus dedos longos, agudos, agarravam-se à rocha como garras.
Não tardou muito para chegarmos ao alto - e numa rápida pausa, enquanto
respirava, banhei-me na visão do mar, que se descortinava inteiro, soberano,
reinando dentro de um vasto espaço de luz e de silêncio. Ao longe, passava um
vaporzinho - e lá em baixo, na franja dourada da areia, Sara e Amanda corriam
descalças e gritava, deviam ter achado qualquer coisa. Súbito, voltei-me: o
homem me fitava com olhos estranhos.
- Onde está a papoula? -
perguntei.
- Ali - mostrou-me ele.
Olhei e não vi nada, só os
cactos.
- Onde?
Ele se aproximou mais, como para
me mostrar a flor.
- Ali, bem ali.
Olhei de novo - e de repente
senti uma dor aguda, horrível, atravessar-me o braço. Dei um grito, sem
compreender o que fosse e, erguendo-o, vi com espanto que o homem tinha
enterrado nele um comprido e negro espinho de cactos.
- O senhor! - exclamei com um
soluço, apavorada.
Ele me fitou com olhos de que
jamais me esquecerei, tão duros, tão cruéis se mostravam. Ao mesmo tempo que
ele se revelava com esse olhar, não tive mais dúvida de que me achava na
presença de um louco.
- Amanda! Sara! - comecei a
gritar, com um fio de sangue a me escorrer pelo braço.
De um salto o homem se afastou e
desceu pelas pedras, correndo. Na fuga o chapéu lhe caiu, ele o apanhou com um
movimento convulso e continuou a correr, sem olhar para trás. Vi então que era
completamente calvo e, fascinada, acompanhei-o com a vista até que,
atravessando a zona de sol, integrou-se na sombra, onde desapareceu para
sempre.