quinta-feira, 25 de maio de 2017

Insônia


Sento. O peito dói o coração está doendo e quando coloco a mão é a único grave que há de som nesse quartinho minúsculo. Deito de barriga pra cima. Os olhos ao teto fixo um ponto qualquer uma rachadura preta na pintura branca que não sei desde quando está ali nem quero saber mas continuo olhando continuo olhando fixamente na esperança de qualquer coisa daquilo abrir sair uma aranha qualquer coisa. Deito de barriga pra baixo. A respiração entrecortada porque os músculos definham. Foco na respiração. Uma duas três quatro cinco. O abdome sobe e desce e sobe e desce e desde quando tenho essa barriga tão nojenta? Os pelos em volta do umbigo mais parecem um redemoinho de minhocas no entorno de um buraco tipo aquelas lagartas que só andam juntas e tem uma crosta branca. Ah como sou nojento porco imundo feio gordo sujo fedorento patético. Sujo sujo sujo sujo. Sento. As mãos em garras vão nos cabelos arranhando o couro arranhando as costas arranhando o pulso. A dor é boa. Faz companhia. Sozinho... as batidas cada vez mais velozes como que no clímax de qualquer música e vão cavalgando em vários picos daqueles traçados de coisas do coração mesmo que a gente vê quando é internado. As mãos agora em frente aos olhos molhados tremem muito e quase não consigo focar seguro uma a outra para parar de tremer mas não consigo eu não tenho controle não tenho controle de absolutamente nada e como eu queria ser preso a qualquer tipo de receitinha pra ter alguma coerência ou mesmo um jeito torpe ou qualquer de funcionar. Mas não. Sou essa coisa completamente aberrante que berra que grita pra dentro e pra fora mas ninguém ouve bate no teto no chão na parede mas ninguém ouve. Levanto e pego um copo d'água mas as mãos ainda estão tremendo tremendo tanto que ao levá-lo à boca escorre um pouco de água pela beirada e cai pelo pescoço pelo peito e morre no buraquinho nojento do umbigo. Porra de umbigo nojento. Não sei se estou com febre. Febre eu sempre tive esse suor frio que brota na testa e cada vez que o percebo o coração cavalga mais e mais e mais o que diabos está acontecendo comigo? Cerro os punhos mas não sei exatamente do quê tenho raiva se é da vida se é da morte se é do amor se é do ódio. Deve ser do ódio pois só isso eu tenho. O nariz seco passo por cima do pó que resta ali na mesa mas não há mais efeito. Não há mais efeito! Não há mais o efeito, o feito, o que foi feito? O punho cerrado tem gana tem sangue tem veia tem raiva. Deixo um pouco do sangue no buraquinho do umbigo como se o polegar e o indicador pinçados fossem um conta gotas. Quando o desfiro até a parede num murro oco a dor não liberta mais mas soco uma duas três quatro cinco. As fileiras vermelhas que escorrem na parede vão desenhando qualquer coisa e fico acompanhando o gotejar até o chão querendo que saíssem lágrimas que morressem da mesma forma mas está tudo seco. Soco uma duas três quatro cinco. Uma duas três quatro cinco. Grito de dor de pavor de medo de fúria mas ninguém me ouve ninguém nunca me ouve. Passam por mim me dirigem sorrisos me dão conselhos mas não me ouvem. Não se drogue não fume não beba não faça isso não se desespere não se mate não morra. Mas ninguém escuta caralho! Agora as mãos tremem mais e vejo carne. Vejo sangue vejo vermelho vejo branco e vejo preto. Preto de qualquer coisa meio morta porque já estou em decomposição desde que nasci daquela merda de parideira. Ajoelho no chão em cima da lambança toda porque aquilo é meu me pertence. Produto meu nascido de mim e pertencente a mim e só assim sou capaz de me circunscrever. Me circunscrevo através da dor e talvez por isso só posso me recorrer a ela quando de alguma forma não sei onde estão os limites. Eu só queria conseguir dormir...

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