segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Sala de Espera


- Não se incomode tanto com o avental, com o tempo você se acostuma...

- Foi esse constrangimento para você também, no início?

- Ah, para mulheres é um pouco mais simples... Não tenho tanto pudor com essas coisas.

- E também nada pendurado entre as pernas que você precisa ficar escondendo.

- Bem, isso eu já não garanto.

- Não sabia que restava espaço para o humor, aqui...

- Ele sempre dá as caras quando as lágrimas já se secaram todas.

- Entendo. Eu sou Gabriel, terapeuta. Você?

- Juliana, professora infantil.

- E o que você tem?

- Num outro momento... O enfermeiro já me chama. Até mais, Gabriel!

--

- Boa tarde!

- Boa.

- Hoje você parece mais triste...

- É, coisas de família. Minhas irmãs estão cedendo ao fardo.

- Se precisar de companhia...

- Obrigada. Mas depois de ficar tanto tempo nessa sala, acho que aprendi a lidar.

- A gente sempre acha que aprendeu a lidar...

- Ora, está com problemas de aceitação, terapeuta?

- Somos os que mais têm. Hoje você está mais linda que ontem.

- E o senhor mais confortável no avental.

- A gente aprende a lidar...

--

- Olá Juliana!

- Oi, oi! Hoje eu estava pensando em jantarmos depois daqui, o que acha?

- Não sei...

- Achei que gostaria da ideia, você comentou antes sobre ser minha companhia.

- Eu pensei melhor e acho que nossa relação deve ficar somente aqui, nessa sala. Muito complicado levarmos isso para fora porque sabemos o quanto somos efêmeros. Não sei se estou forte o suficiente para sustentar um vínculo que certamente logo se acabará. Acho isso manifestação da fragilidade em que a gente se encontra. Nos agarramos nas meras possibilidades, nas mais óbvias ilusões.

- Entendo...

- Não fique chateada comigo.

- Sabe, Gabriel, existe um momento em minha profissão que considero muito bonito. Quando a criança consegue, pela primeira vez, ordenar as palavras de uma frase na leitura e repeti-la com boa entonação. O olhar arregalado e o sorriso de vitória após dias e dias de fracasso lhes causa uma felicidade tão grande que eu sentia aquilo tudo reverberar em mim.

- Sim, sim...

- E pensando agora eu vejo que não terei mais nenhum tipo de experiência transcendental na minha vida, que logo acabará. Eu não consegui alinhar as coisas de forma a ler a minha própria frase. Não sei que frase é essa que me rege e, dessa forma tão cruel, me mata. Sei lá, acho que fantasiei coisas com você muito em busca desse sentimento de que somos especiais, de fenômenos fora da racionalidade e da lógica que nos abraça quando mais precisamos. Mas você tem razão. Sou uma idiota...

- Vida que logo acabará?

- É. Você deve ser de próstata e sobreviverá. Eu sou terminal, Gabriel.

- Lamento...

- Enfermeiro chamando, preciso ir.

--

- Juliana?

- Oi?

- Achei que não a veria aqui hoje. Vim com o coração acelerado num daqueles pressentimentos ruins inexplicáveis. Ufa...

- Estou aqui, sim.

- O que houve? Está mais seca comigo.

- Não vamos partir para o lado pessoal, Gabriel. Tudo morre aqui, lembra?

- É que eu pensei melhor e eu quero te dar essa experiência transcendental que você disse. Na verdade, eu também busco por isso! Eu sempre neguei toda essa história de câncer e talvez eu estivesse mais frágil que o normal quando, sem querer, eu fui grosso com você e estou arrependido. De qualquer forma, deixe-me fazer parte da sua vida, mesmo que ela esteja no fim. Você é tão linda, e merece tanto!

(um beijo urgente)

- Obrigada, podemos sair na próxima semana. É minha vez de ir lá, enfermeiro me chama! Obrigada, obrigada!

--

- Juliana? Juliana!? Enfermeiro, onde ela está?


- Ela não veio hoje, Gabriel.

Um comentário:

  1. oi guilherme, tudo bem? :)
    o tempo anda bem corrido, por isso estou sumida.
    até mesmo para atualizar o blog está difícil, tenho aparecido pouco.


    como está?
    um abraço e um 2013 de muitas leituras e escritas!

    ResponderExcluir