sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Beijo


A grande verdade é que quando te olhei não quis beijá-lo. Enquanto você falava, e eu sinceramente prestava atenção, meus olhos mapeavam cada um dos seus traços com a curiosidade de uma criança que vê algo completamente novo. E o que todas aquelas linhas que confluem no que você é me mostraram eu ainda não tinha visto. No costume de sensações que me aparecem pelos olhos e se manifestam no corpo, eu ainda desconhecia o que presenciei ali, quando fitei você e reverberou foi no fundo de alguma coisa, onde o corpo não responde, onde o corpo não se excita. Apenas o peito que gela, a voz sai arfada e o pensamento: sempre em ti. Algum abismo dentro de mim que você alcançou apenas sendo.

De forma que fui pra casa respirando pela boca. A estrada passou como possibilidades... Percebi que eu queria te levar. Onde? Não importa. Mas eu queria te levar do seu mundo para um que fosse nosso. Para isso qualquer tipo de abstração era válida, de viagens inimagináveis a crueldades sem motivo. De símbolos que poderiam nos ligar pela eternidade - talvez eu buscasse a completude contigo.

Não nego que posso estar te amando, ainda que eu não saiba a duração nem a maquinaria disso. Nunca soube. As pessoas nomeiam sensações distintas pela mesma alcunha, mas o que sinto é esse desespero de chegar no quarto à noite e ver paredes, e ver cama, e ter que deitar na iminência dos pensamentos de solidão, acumulados na superfície do travesseiro apenas esperando o repouso dos meus ouvidos. Talvez eu quisesse sim, beijá-lo, mas não porque o meu corpo pediu através de uma volúpia efêmera, mas na tenra necessidade de te fazer meu por alguns segundos, que agora imagino no pensamento, o tempo passando lento enquanto os lábios se conhecem. Mas eu não poderia dizer “seja meu”, da mesma forma que não queria possuí-lo sem que as intenções tivessem claras. Resultado: nada fiz, e toda a energia que ficou na idealização agora retumba dentro de mim em forma de dor. Fecho os olhos com força e peço que me venha um sono longo, anestésico e revigorante. E então me vejo acordado cinco horas depois, a palpar o celular. Nada.

Fecho os olhos para escrever essa carta. Desde que te conheci meus olhos parecem mais pesados. Me voltei para mim. Talvez no escuro que as pálpebras me fornecessem eu posso tentar localizar onde foi que me atingiu, esse ponto fraco execrável que me deixa mais curvado, mais sensível aos sentidos todos. Sempre surge seu rosto, o sorriso acompanhado de um meio esgar, a voz de um timbre tão único. A vontade de tomar todas as suas dores para que esses sorrisos sejam tão eternos quanto a probabilidade que me trouxe até você.

Quantos caminhos se cruzam mas não fazem nó? Quantas possibilidades e histórias não são vividas enquanto aguardamos, na inércia, o passar dos dias? Dói... dói saber que nós temos tudo pra nos ter e nada teremos. E recobre sobre nós um silêncio-incógnita que nos deixa a própria revelia. Ou talvez eu esteja falando apenas de mim. Da solidão que me é destino. O lábio seco, a mão sem a sua.

Preciso desaparecer.

2 comentários:

  1. Texto explendido, intenso. Senti ainda mais nesse desfecho, quem não se identifica de certo modo?
    A solidão é minha paralisia.

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  2. Muito bonito! As descrições de sentimento tão intimistas que estão sempre presentes no seus textos...Principalmente nesse em que o diálogo é só do personagem consigo mesmo. Leitura romantica e intensa!

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