quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Carta para Melissa - Parte I

Ipatinga, 12 de Março de 2009.

Melissa,

Sei que desde a época do colégio eu só recorro a você quando estou em apuros. Tanto tempo passou, e eu deixei nossa amizade se impregnar com a poeira do esquecimento... Talvez você já nem more mais nessa rua a qual estou endereçando. Talvez nem mesmo no Brasil! Não me importo. Quero sentir a presença da amizade, do ombro cálido que afugenta qualquer mágoa sem requisitar nada em troca. Isso eu só encontro em você, mesmo que na abstração. Meu coração – embora sempre errante – acredita que você lerá.

Quando digo que tenho problemas, você certamente já sabe a fonte. Guilherme. Provavelmente está pensando na minha ingenuidade, em como padeço diante da malícia masculina ou algo assim. Pela primeira vez irei te impressionar, eu acho... Vou contextualizar: desde a formatura estamos juntos, quatro anos completos. Eu acabei por me adaptar ao seu jeito frio e desleixado, pois realmente o amava (ainda não sei bem como conjugar esse verbo). Certas relações somente se prolongam quando você aprende a se acostumar com o outro, embora pareça insensível eu abordar dessa maneira. Porém, a paixão um dia acaba. Os obstáculos não.

Não consegui encontrar forças para voltar a estudar e entrar numa faculdade. Trabalho como vendedora numa loja no centro. Minha avó faleceu, e a ilusória sensação de força que nos acomete nos momentos trágicos fez com que o filme da minha vida passasse rápido demais, abrindo espaço para outros problemas se instalarem. O drama começou quando descobri que estava grávida, e te confessaria se fosse de caso pensado. Enjôos e enjôos e tonturas e fraqueza... Ainda assim, fui pega desprevenida. Pensei em te ligar, mas tenho certo problema com telefones. Não contei para ele nem para meus pais. Algo em mim diz que o Gui pressentia...

Andávamos de mãos dadas. Ele, com a mão livre, segurava o guarda-chuva que sustentava a tempestade que castigava. O calor daquele sentimento podia disfarçar as lufadas gélidas de vento. Ou talvez essa cena melodramática seja fruto de minha mente que, como sempre, tenta me colocar na cômoda posição de vítima. O que importa é que era como um quadro. Um casal e a chuva. Um casal debaixo de um guarda-chuva. Um quadro tão sensível que em questão de segundos se desfaleceria.

Hesitou quando chegamos no portão aqui de casa. Sua face rígida parecia mais severa do que de costume. Tinha tanto tempo que não me manifestava irritadiça diante de seu conservadorismo que por um segundo me assustei. Os dois corações dentro de mim pareciam sincronizados, batendo fortemente. Guilherme não sabia da gravidez, mas havia algo de repreensivo eu seu olhar semicerrado. Mel, eu juro, ficamos nos olhando durante minutos! E então veio o ultimato. De sua boca as palavras saíram cruas, sem polidez, sem ornamentos. Suspirou e falou bem baixo “sinto que nosso amor acabou, e eu não estou disposto a viver com você mais” Eu queria chorar, fazer cena, encarar aquilo como uma costumeira briga entre namorados, mas não consegui. Você sabe que eu sou boa para dramatizar, mas meu talento me desapontou naquele instante. As lágrimas foram as gotas de chuva que salpicavam meu rosto. O homem do qual eu havia convivido por quase meia década virou as costas, e eu senti parte da minha história jogada no lixo do tempo como um brinquedo velho que se descarta. Deixou a aliança e levou o guarda-chuva.

Não consigo expressar como minha mente ficou confusa. Não queria usar a gravidez como álibi, mas precisava arrumar uma forma de abordá-lo a respeito disso. Minha família me questionava o que havia acontecido e eu fui evasiva, pois confesso que existia no fundo da minha alma uma fagulha de esperança de que tudo ficaria bem. Os dias foram passando e me mostrando o contrário. Sentia uma falta da presença do Gui que sugava minhas vontades. Fiquei apática, odiando a vida. Percebi que enalteci demais suas características ruins e pus de lado sua compreensão, a forma como ele sempre cuidava de mim quando, por exemplo, eu adoecia e a ira que o possuía quando alguém mexia comigo. Tente entender, era como se um pedaço da minha existência se descolasse. E então só restou solidão e angústia.

Quando repentinamente as lágrimas brotaram em cascatas violentas, bati a campainha de sua casa e contei-lhe sobre a criança. Gesticulava, pedia desculpas, proferia palavras de amor que nem cabiam num momento como aquele e me vi cobrando proteção. Ele foi generoso, e seu altruísmo me fez sentir ódio! Disse que ficaria ao meu lado, que assumiria a criança e a amaria. Eu queria que ele falasse sobre nós! Gritei coisas que nem lembro direito e saí de lá correndo, para me punir pela minha mesquinharia no meu quarto.

Agora vem a parte que, se você ainda morasse aqui, seria capaz de me bater. Entrei em depressão, e no dia que a gestação completava 3 meses pulei no rio doce. É, Mel, cheguei no ápice da insanidade. Tentei me matar.

3 comentários:

  1. nossaaaaaa!!!
    fazer uma conto em forma d carta eh mto complicado, mas vc se saiu brilhante novamente! tem um dom maravilhoso!!!
    gosto dos seus personagens, a maioria eh oscilante, defeituoso, desequilibrado, gosto disso, mostra o ser humano como eh realmente, sem historias idealizadas e com final feliz, foge do cliche!
    parabens! n me canso d me surpreender com vc!
    =**********

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  2. A forma com que cada personagem escreve sua carta torna eles semelhantes. Mas a reflexão ,e isso acho legal,que cada um tira das palavras é bem distinta. Neste tem um belo conflito...nada unilateral...Usar o seu nome na carta,para mim,foi a cereja do bolo.

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