quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Tristão e Isolda

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Quer ele vê-Ia feliz ao lado do seu novo marido? 

Pode parecer uma pergunta ingênua, mas se Tristão afirma ser motivado pelo "amor", a pergunta cabe. E mais tarde ele diz: "Quero morrer, mas que a rainha saiba que é por seu amor que morro. Se ao menos eu pudesse saber se ela sofre por mim como sofro por ela!" Que tipo de "amor" é esse que leva Tristão a desejar não a felicidade da amada, mas o seu sofrimento? Se ele acredita que ela se reconciliou com o passado e está feliz com o Rei Mark, por que vai ele voltar lá para jogar lenha no fogo da paixão? Por que ele procura renovar - lhe o sofrimento, atrapalhando sua vida com o Rei Mark? E quanto a Isolda? Que amor é esse que a leva a desprezar Tristão porque ele se casou com outra mulher? Isolda é casada com o Rei Mark e vive com ele. No entanto, por esses estranhos padrões, Tristão não pode casar-se com outra mulher, não pode amar nenhuma outra mulher; e, acima de tudo, ele não pode ser feliz. Se ele fizer uma que seja dessas coisas humanas normais, então ele é um "traidor" para Isolda a Bela! Que espécie de "amor" faz com que Isolda queira ver Tristão sempre só e infeliz, sem uma esposa, sem um lar, sem filhos? Isso não é amor. O amor é um sentimento dirigido para um outro ser humano, não dirigido para a própria paixão. O amor deseja o bem-estar e a felicidade da pessoa amada e não aquele drama enorme que se faz às custas do outro. Ainda assim, estranhamente, Tristão e Isolda chamam a isso "amor". 

Pelos padrões humanos está tudo invertido: eles se "amam", mas cada qual quer que o outro sofra, que seja infeliz. Eles falam de "traição", mas para eles "fidelidade" mútua pressupõe que o marido de uma ou a esposa do outro sejam traídos. Eles se recusaram a construir uma família e a levarem juntos uma vida humana normal, e nenhum permite que o outro consiga fazer isso com alguém mais. Tudo isso não chega a ser realmente novo para nós. Já vimos pessoas "apaixonadas" agirem dessa forma. A grande maioria dentre nós já viveu essas mesmas atitudes contraditórias. Às vezes conseguimos ser ligeiramente mais sutis, mas no mito o paradoxo aparece dessa forma tão gritante porque a mensagem brota nua e crua diretamente do inconsciente. O maior dos paradoxos é o próprio amor romântico: como um conjunto de procedimentos, ele é a fonte de onde emanam todas essas contradições. O amor romântico é a mistura profana de duas espécies sagradas de amor. Um é o amor divino do qual já foi falado: é o impulso natural que nos leva para o mundo interior, é o amor que a alma sente por Deus, ou pelos deuses, ou pelas fantasias e desejos. O outro é o amor "humano", o amor que sentimos pelas pessoas - seres humanos de carne e osso. Ambos são válidos, ambos são necessários. Mas, por algum artifício da evolução psicológica, nossa civilização misturou os dois tipos de amor na poção do amor romântico e quase pôs ambos a perder. 

O melhor do romantismo e do amor romântico é que são tentativas válidas para devolver à consciência ocidental o que havia sido perdido. O romantismo procura restaurar o sentido do lado divino da vida, a vida interior, o poder da imaginação, o mito, o sonho, a fantasia. A tragédia, que essa parte da nossa narrativa mostra, é que usa-se mau o ideal do romantismo, situa-se erradamente o amor divino, e neste processo acaba-se destruindo nossos relacionamentos humanos. Chamam de "amor" o que não é amor, invertemos o significado de "fidelidade", e perseguimos uma imagem idealizada, efêmera, da anima, em vez de amarmos um ser humano de carne e osso.

À medida que se examina algumas das terríveis complicações da tragédia em que se transforma "Tristão e Isolda", precisa-se lembrar que o amor romântico é um estágio necessário de nossa evolução psicológica. Não importa o que possa ser dito contra ele, não importa o que tenha que ser feito para consertar nosso relacionamento com ele, é o nosso caminho: a nossa maneira ocidental de evoluir e purificar essas duas espécies de amor foram misturados na poção mágica. O amor romântico é como o "túnel do amor", não podemos ficar empacados lá dentro no escuro, temos de sair do outro lado e resolver o paradoxo. Mas para os ocidentais parece ser necessário entrar no túnel. A única maneira que conhecemos de encontrar o sentimento, de enfrentar os dois grandes tipos de amor, é nos "apaixonando", é nos torturando pelo paradoxo, para então enfim aprender. Na medida em que formos avançando, e expondo as contradições, e desmascarando as ilusões, lembremo-nos de que a questão não é saber se devemos louvar o amor romântico ou condená-Io, se devemos conservá-Io ou jogá-Io fora. Nossa tarefa é fazer dele um caminho para a conscientização, viver honestamente o paradoxo e aprender a respeitar os dois mundos que existem no amor romântico: o divino, de Isolda a Bela, que Tristão persegue; e o humano, de Isolda das Mãos Brancas, que ele rejeita.

Tristão nunca chega a ter um relacionamento humano com Isolda a Bela, nunca assume os compromissos do dia-a-dia de uma vida estável, para que possam encontrar o calor humano e o companheirismo que tanto necessitam. É espantoso constatar isso quando se pensa em todos os dramas e aventuras pelos quais eles passam. Encontram-se secretamente, assumem riscos inimagináveis, são arrastados ao cadafalso, fogem e continuam seu drama na Floresta de Morois - lutando com a natureza e com os inimigos. Tudo isso, no entanto, não pode nunca traduzir um relacionamento humano!

Um dos grandes paradoxos do amor romântico é que ele jamais cria um relacionamento humano enquanto permanece romântico. Ele cria drama, aventuras ousadas, cenas de amor ardentes e maravilhosas, ciúmes e traições; mas parece que as pessoas nunca se decidem por um relacionamento próprio de seres humanos de carne e osso até que superem o estágio do amor romântico, e passem a se amar em vez de se apaixonar. Isolda a Bela é a anima. É o amor divino que Tristão procura nela; inconscientemente, ele procura uma passagem para o mundo interior. Tristão não consegue ter um relacionamento humano comum com Isolda a Bela porque ela é desejo divino e deve ser vivida como um elemento interno, um símbolo. Quando Tristão parte da Cornualha, deixando Isolda com o Rei Mark, ele cai em desespero, crê que está abandonando a anima, literalmente personificada numa mulher mortal, exatamente como fazem todos os homens quando "apaixonados". Do ponto de vista de seu ego, a vida não tem mais sentido, pois ele acha que este sentido somente pode ser encontrado em Isolda a Bela. "Separados, os amantes não podiam nem viver nem morrer, pois que era vida e morte ao mesmo tempo, e Tristão buscou refúgio para as suas mágoas nos mares, ilhas e terras estrangeiras." E assim, chega-se à famosa pergunta de Tristão: "Será que jamais encontrarei alguém que ponha um fim à minha tristeza?" Embora para o seu ego pareça a morte, o destino o conduz em direção à própria vida! Pois a tranquila e despretensiosa mulher que o aguarda no Castelo de Carhaix é a encarnação da vida humana: ela é Isolda das Mãos Brancas, Isolda da Terra. Como Tristão, tem-se esta Isolda com um fardo de preconceitos, com a lealdade já comprometida anteriormente. 

O simples não é bem vindo: "simples" significa monótono ou obtuso ou estúpido. Nós nos esquecemos de que a simplicidade é uma necessidade da vida humana: é a arte humana de encontrar sentido e alegria nas coisas pequenas, naturais e corriqueiras. No seu nível mais elevado, é a consciência que vê através das confusões que são inventadas, encontrando a realidade essencial e singela da vida. Mas em nossa época, temos um preconceito coletivo contra Isolda das Mãos Brancas. 

Se um relacionamento direto, simples e espontâneo nos oferece felicidade, dificilmente é aceito. É "simples demais", "monótono demais". Indivíduos estão condicionados a respeitar apenas o que é exagerado "pomposo, o que é grande, complicado ou "altamente excitante". A verdadeira tragédia de Tristão e Isolda está oculta num lugar quieto e humilde, onde as pessoas não estão acostumadas a olhar, e não é a morte de Tristão, pois todos os homens morrem. 

A tragédia de Tristão é que ele se recusa a viver enquanto ainda está vivo, e assim ele não tem vida humana ou valor humano. 

A história de Isolda das Mãos Brancas é a história da oportunidade perdida por Tristão quando deixa de descobrir que existem duas espécies de amor e duas espécies de relacionamento: um com a anima, no interior, e outro com a mulher, no mundo físico. Cada qual é distinto do outro e cada um tem seu próprio valor, mas se Tristão, como nós, tivesse uma segunda chance, ele aprenderia com Isolda das Mãos Brancas ao invés de rejeitá-Ia. Ele poderia aprender que o significado da vida não é encontrado apenas na busca do seu ideal interior; ele também pode ser encontrado na mulher física com a qual vive no castelo de Carhaix.

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