quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Seu Desabafo?



Não venha esperando coesão nessas linhas que, sem rigor nem consciência, vou desenhando meio tortas por aqui. Coesão é pra quem a vida constrói histórias bem montadas. Roteiros bem escritos. Coesão, nexo, coerência, estabilidade... Não. E lhe digo que estou embriagado demais pra ordenar minhas lamúrias. Também de álcool. Mas mais daquele cansaço seco, sôfrego, que deprime os ombros e obstrui a garganta sequiosa com respirações cada vez mais entediantes. Um cansaço que vem de lugar algum, e ao mesmo tempo de todos os cantos que posso enxergar. Sem motivos, sem raízes, sem cerne. Simplesmente não sei. Como disse, não fiz pacto com a coerência.

Sei é que esse mundo não tem para me dar o que eu quero. Não está aqui. Não criaram a palavra e nem a imagem e nem o sentido do que minha alma anseia. Talvez eu seja só um deslocado. Tresloucado. Porque não há nos olhos das pessoas a correspondência da brasa que eu queimo viva a cada palavra, das cicatrizes que eu faço em mim mesmo a cada gesto, sacrifício, resignação. Não há correspondência para os amores tantos. Eu sempre quero mais. Pois faço mais, e por mais que eu imagine levantando o escudo do altruísmo, quero sempre mais do outro. E nunca, nunca o tive. E não entenda errado: não culpo ninguém. Tive porventura a falta de sorte de nascer escritor. Escrevo romances, suspenses, aventuras e comédias que não passam de abstração. Eu vejo os pássaros e sinto inveja. Os namorados e sinto inveja. Os ricos e sinto inveja. Os talentosos, os de fato escritores, músicos, atores. Os famosos. Os políticos. Os amantes.

O cansaço que me entope as vias e me impede a reclamação. Passei desse estágio. Se na Terra os símbolos que sustentariam meus ensejos de fato existissem, eu teria a quem culpar. Mas não. E essa mácula faz de mim um eterno descontente e prisioneiro de mim mesmo. E em pensar que as coisas poderiam ser mais simples... Que as pessoas poderiam entregar-se umas as outras sem as amarras das frustrações, do passado. Seria bom se toda paixão louca fosse correspondida. Que todos de fato tivessem a oportunidade de se doar e ver seu íntimo completamente exposto, aceito e respeitado. E por que não é? E me sinto patético. Que tamanho tem a ausência desse amor ao lado de quem não possui nem sequer amparo da família? Cerro os punhos ao me ver parte desse quebra cabeça difuso em que me disponho tortamente. E passo horas e horas e horas dissecando uma única palavra: justiça. Que palavra é essa? Onde está a balança dourada que bagunça isso tudo? Mas o problema não é esse e só: vai mais no fundo, no subsolo, nas profundezas das mentes que acompanham o coletivo e vão se pervertendo, subvertendo. Não há aperto de mão sem a empunhadura da ameaça. Não há favor sem chantagens. E eu me perco. E eu me perco e me perco e ainda assim, vejo cada rosto sibilar um mistério tão instigante que vou, sem hesitar. Degusto cada sonho como uma criança que ganha o mais caro brinquedinho.

E amar essa vida torpe é a mais linda contradição. Essa que me põe de cócoras e lágrimas a cada decepção frequente. Em cada história de amor que não dá certo. Em cada linha esperançosa que eu, escrivão, vou tecendo para mim e que se desmancha e se desfaz, ao mero sabor do acaso. E mesmo assim amo amar e viver. Sonhar. E essa felicidade maculada e profunda que é o combustível de cada passo lento de superação, que ergue os joelhos para outro enfrentamento. E a cada início de batalha - coitado de mim - sei que acredito numa justiça invisível que reserva um segundo de recompensa. Ao menos um! Que permitirá que eu me abstenha da rotina lancinante do trabalho para um dia ver a relva, de mãos dadas com o fruto da minha inspiração, bebericando qualquer coisa e falando de sentimentos. Que permitirá que eu me faça controlador de todas as variáveis da vida e uma pessoa de instabilidade inviolável. Que permitirá que cada palavra de preocupação seja reconhecida e valorizada pelos outros. Que me fará ser amado em plenitude. Que me reservará alguns dias sem tristezas, sem desagradáveis surpresas. Não quero precisar da embriaguez. Quero remontar essas cascas de vidro que me tornei para recompor um vitral mais ou menos coerente. E quase gargalho alto ao ver até onde a insanidade faz sustento. E me sustento aí. Abraço os joelhos e esqueço que sofri, começo a cantar e a balançar a cabeça. O cansaço, posso suportar. E sigo em frente...

Pois o que mais é o amor?

36 comentários:

  1. nossa Guilherme Navarro. Esse
    é daqueles LEGIITIMOS QUE nos prendem da primeira
    letra até a ultima.
    Taanto d palavra noova, tô rica no vocabulário agoraa! UAHEUHAE
    aadoorei, parabéns.
    Ja te contei q adoro contos sofridos?
    EU AMO.
    beijoo.. !!!
    arrasou.

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  2. Guii, ficou muito bom.
    Quanta insanidade...
    Ficou muito foda.
    Parabens *---*
    beijos

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  3. nossa! quanta densidade de sentimentos, informações e noções da vida. gostei muito, parabéns!
    ^^

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  4. O melhor texto seu até hoje, sem dúvida ALGUMA!
    e um dos melhores inclusive q jah li em minha vida!
    um texto EXCELENTE!
    bem articulado, denso, daqueles que vc reflete, e mais que isso, se identifica.
    maravilhoso!!!
    nem tenho paralavras pra expressar o quanto esse texto é expressivo.
    meus parabens!!!

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  5. Olha, não dá para saber o que realmente se passa aí. Mas buscar um sentido é importante; perdê-lo é fundamental. A busca tem que se renovar, e se intensificar.

    O desabafo é bonito, mas angustiante. Tire o nó da garganta, e principalmente do coração.

    É uma ordem.

    Abraço.

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  6. Extasiada!

    há muito não leio algo tão intenso, que me prendeu do início ao fim, e queria mais...Isso é o que os grandes escritores conseguiram, enfileirar cada sílaba coerentemente, embora não tenha feito um pacto com a coerência, aqui há coesão,coerência e Beleza!

    Bjo!


    Parabéns!

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  7. Cada acaba procurando o seu ideal, seja no amor, no trabalho, na vida social, mas nem tods tem força para continuar esta busca de forma indefinida, ai começa a aceitar qualquer coisa para a sua vida.

    Mas amor é algo tão particular, pode até ser um sorriso retribuido com o desdem dito, pois o que importa é se sentir feliz com o ato feito pelo amado.

    Fique com Deus, menino Guilherme Navarro.
    Um abraço.

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  8. ola
    adorei seu blog e estou te seguindo
    me faça uma visita:
    www.flordelotus29.blogspot.com
    me siga. vai ser muito bom sermos amigos
    beijos

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  9. "Um cansaço que vem de lugar algum, e ao mesmo tempo de todos os cantos que posso enxergar."

    Guilherme!!!Simplesmente FANTÁSTICO o que você escreveu!!!!!!!!!!Sinto e senti cada uma de suas palavras,,,e faço delas as minhas também...

    Meu amigo, fiz lá um post e até peguei emprestada esta sua frase que coloquei aí entre aspas...

    Você disse TUDO.Meus parabéns!Estou muita cansada...muito mesmo...

    Parabéns por cada uma de suas palavras!

    Um beijo em seu coração ...e fico agora de mãos dadas com você...

    Bia...

    PS-Estou indo agora ao meu blog, colocando em meus comentários o que você escreveu aqui....para que outras pessoas passem por aqui e tenham o mesmo prazer que eu tive ao te ler!!!

    "E mesmo assim amo amar e viver. Sonhar."...

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  10. "E mesmo assim amo amar e viver. Sonhar."

    Excelente frase vaque! E excelente texto, claro.
    Eu só não consigo entender bem essas coisas, não me vejo nem um pouco na pele desse personagem. Tem gente que pensa na vida demais, no que deve ser feito ou não, do que já fez ou deixou de fazer, e remói e remói e remói a mesma coisa 100 mil vezes e, apesar de de amar o amor e a vida, isso vai fustigando a pessoa que é desse jeito.
    Bom, coesão não é comigo .nicole sei lá se deu pra entender hihi.
    :*

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  11. Eu estacionei no abraço de pernas e ainda reúno meus cacos perdidos e junto as forças que perdi, para tentar recomeçar e seguir adiante.

    E discordo, em partes. O amor não pode — nem deve — ser só isso. Meu coração de moça, de menina iludida e eterna sonhadora não me deixa acreditar. Fico com as minhas inverdades ilusórias.

    Te deixo um sorriso.

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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  13. "E amar essa vida torpe é a mais linda contradição." [Essa frase não sai da minha cabeça]

    Terminei a leitura do seu texto com lágrimas nos olhos e um aperto no coração, não sei dizer se por ser o desabafo que eu precisava não e consigo externar, ou se por nunca ter lido tanta sinceridade em outras linhas, o fato é que você realmente me tocou com suas palavras.
    Espero que esse seu dom só cresça a cada dia.
    Parabéns!!
    BjO :*

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  14. "E quase gargalho alto ao ver até onde a insanidade faz sustento. E me sustento aí. Abraço os joelhos e esqueço que sofri, começo a cantar e a balançar a cabeça. O cansaço, posso suportar. E sigo em frente"

    Sinto frio nas tuas linhas que entopem o peito de uma neve que vem cercando teus olhos, nestes escritos tú podes tocar a alma. E dissolve esse amor de um ontem não resolvido. Eu juro pra vc. Esperança existe. Ela está dentro dos olhos de quem a vê!

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  15. Um desabafo e tanto, as vezes quero ficar quietinha, mas não consigo, dai vou escrever.

    Que bom que te achei.

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  16. Guilherme, que texto rico, coeso, instigante.
    Adorei! Parabéns!
    Voltarei sempre. E sempre.
    PS:obrigada pela visita!
    BjO*

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  17. Rs... eu não sou tão boa em críticas.
    Olharei suas postagens calmamente e deixarei meus comentários.

    Prometo :)

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  18. MARAVILHOSO. Eis um escritor de verdade, de corpo e alma.

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  19. O que posso dizer, o mundo e as pessoas simplesmente são o que são. Não precisamos concordar com tudo ao nosso redor, mas respeitar e aceitar. Porque aceitar não significa acreditar que não podemos mudar nossas vidas, ou que devemos viver com pouco, mas sim a compreensão das pedras do caminho.
    É como o que eu li em um texto:
    “Aceitação é a capacidade de se levantar em qualquer momento de depressão, de dor, de mágoa,
    de lamentação. É o único estado que permite que as pessoas compreendam as experiências pelas
    quais estão passando. E se eu aceito o que eu vivo, se eu aceito o meu momento, eu relaxo, e
    tranqüilizo meu coração. Aceitem sim as experiências, e quando tiverem aceitado as experiências poderão crescer com elas. Poderão subir nas pedras e ver o horizonte, poderão apreciar o caminho porque terão paz dentro de si.”

    No final nossas vidas serão um reflexo das nossas escolhas, e não do mundo ou da forma como
    os outros enxergam as coisas. Cada um tem seu próprio ritmo e vive conforme o seu próprio
    sentir e observar. E se escolhermos apesar de tudo “amar, viver e sonhar”, e nos desapegamos
    dessa bobeira que é se prender a erros e ao passado, poderemos sentir e apreciar cada momento,sem amarras, usando todo nosso potencial. Pois só assim podemos ser tudo o que somos e sentir tudo o que é.
    Apesar de não te conhecer profundamente ( quem sabe nos encontraremos novamente), vou te
    dizer uma coisa que senti no momento que te conheci : autenticidade e sinceridade. E vc foi a primeira pessoa que realmente me transpareceu isso de forma real. As pessoas em geral vivem de maneira distante, mas eu não senti isso com você. Acho que eu não preciso dizer que seus textos são ótimos, pq vc mesmo já deve ter percebido isso. Apenas seja sempre vc, e continue mostrando nos seus textos a revelação do seu ser. Abraços.

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  20. Seu texto é excelente. Sua linguagem textual é sentir. E isso é tudo, que nós, que nos aventuramos a escrever precisamos.
    Uma ótima noite pra ti.

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  21. Sinceramente, me arrepio ao te ler. Um dos grandes, meu caro, escondidinho entre pontos e links. Ainda sai dessa e rirá da minha cara em páginas de papel (:

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  22. eu hoje até já vejo graça em toda incoerência
    só tenho trabalhado pra fazer dela não t~]ao assustadora a mim e aos outros
    que já é um exercício

    mas sei lá
    esssas faltas
    essas coisas todas que não conseguimos dar nomes. elas vem de nós.; elas estão me nós em algum lugar em relação comt udo o que a gente vive e talvez o erro, ou não, seja pocurá-las em nomes, em formas, já prontas e esculpidas esperando por nós.


    belíssimo texto

    beijos

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  23. Nesse texto o leitor imerge em palavras sem nexo aparente, desbrava a falta de coesão, vivência a experiência contida em cada letra e ao final se pergunta: "quem é o narrador"?
    Aqueles que buscam essa resposta surpeendem-se ao ver que eles mesmos são o narrador, e que as linhas tortas sob as quais o texto se estrutura rapidamente se ajustam de acordo com a experiência de cada um, o texto passa a ter a mesma coesão da vida do leitor/pseudo-narrador. Parabéns Gui, por ter feito um texto tão sensível, tão sem lógica se analisado sob uma perspectiva neutra, e tão lógico quando impregnado de experiências pessoais de quem lê.
    Por fim, gostaria novamente de observar a sensibilidade da pontuação, que movimenta o texto de maneira subjetiva, atribuindo significado e sentimento para cada um dos trechos, é como se os pontos que fossem o real narrador da história.

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  24. Pois o que mais é o amor?
    Exatamente, oq mais é o amor senão tudoooo aquilo?
    e mesmo sofrendo e levando na cara eu continuo amando e não me canso de dizer, pq o mais idiota do mundo foi aquele q disse q amar não é sofrer, pq eh justamente o CONTRTARIO
    perfeito Gui, acho q a Dani q ia gostar desse conto, ela que gosta dessas coisinhas romanticas HAHA
    te amo cara
    fiquei ate mais inteligente com esse conto né?
    kkkkk

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  25. Inteligente, intrigante, emocionante, aliviante.. parabens Gui

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  26. Lascivo.
    O mais difícil no ser humano é reconhecer as mazelas de si, é aceitar sua fragilidade existencial mesmo sem compreender.
    Suas palavras mostram muito de você, não imagina o quanto.

    Muito bom ler você.

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  27. Uia gui rs tocou no meu esternocleidomastóideo hueuheuheueh (a maior palavra q achei rs)
    ahhhhhh adorei! nem sabia q vc era tão foda xD
    choray rs
    =)))

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  28. "Não há favor sem chantagens." Uma bela frase para se refletir hehe, parabéns pelo texto, sou um novo frequentador do seu blog (=

    Ficou fascinante seu conto no 31/10, seu vocabulário é requintado e muito culto. Estou divulgando bastante a coletânea, ficou um belo trabalho, a Helu e a Catia capricharam bastante né =p

    Abraços

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  29. Te admiro muito!
    Texto incrível!
    Abraço!

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  30. Passando pra Reler.... Escreve mais...

    Beijos querido, bom restinho de semana

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  31. Parabéns. Sei que todos já disseram isso, mas você escreve MUITO bem. Me impressionei :)

    Acho que seus textos deveriam ser usados em aulas de redações de língua portuguesa nas escolas.

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  32. Às vezes a identificação é tamanha que até dói.
    Parabéns pelo belo texto!

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  33. Daí que eu vinha passando por acaso e olha só que bela coisa encontrei?

    O amor também é surpresa.

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  34. Este comentário foi removido pelo autor.

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  35. amo essa elegância que você arranca da simplicidade. adoro o que você escreve,

    never stop writing

    :)

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