domingo, 9 de maio de 2010

Sueli


Era difícil se concentrar na televisão com aquele berro. Podia-se ouvir, no quarto há alguns metros depois do corredor principal, o berço tremendo de medo na iminência da solidão. A face austera da mãe era incapaz de ignorar o fato. As sobrancelhas arqueadas e a respiração forte denunciavam uma piedade difícil de compreender. O mais velho, após algumas fracassadas tentativas de livrar o irmão, rendia-se.

- Mãe, você não fica com dó?

A mulher por um segundo ignorou-o. Atentou-se ao fim do barulho, quando finalmente o sono sobrepujou o medo e o bebê mergulhou no universo escuro de seu quartinho. Então, repousou o olhar cálido na outra cria e respondeu:

- É claro que fico, meu filho! Mas é necessário. Você custou para dormir sozinho justamente por isso. Todos te bajulavam demais. Parte o coração mesmo, mas logo ele se acostuma.

Deu-lhe um meio abraço e puxou-o para perto, desgrenhando sua cabeleira negra e lisa de criança. Antes do fim da novela, ordenou-o que dormisse e, algumas horas depois, ela fez o mesmo, cobrindo a casa com o manto de silêncio.

O neném de traços rechonchudos, careca brilhante e cheiro de sabonete barato, calmamente, ao sabor do tempo, cresceu. Dormia sozinho e sorria muito. Num dia quente, quando brincava no jardim mínimo da área de lazer do prédio, a mulher – já com traços mais severos – observava-o enquanto sua mente vagava em problemas aos montes.

- Vinícius! Não mate as plantinhas, meu filho...

Não conseguia deixar de rir daquela silhueta serelepe, que se emaranhava entre as folhas e, imitando inocência, levava as mãos às costas e as retirava dos galhos uma a uma. Logo ficava entediado e disparava a correr aleatoriamente. Lá ia Sueli atrás de seu pequeno filhote. Ao fim do dia, ele dormia abraçado ao seu ventre, enquanto ela se perdia naqueles problemas agora em montes maiores.

- O Topo Gigio foi à praia, com o calção que ele ganhou... Chegando lá ele gritou: o meu calção rasgou!

Entre adversidades e alguns momentos de paz, a sólida educação se embasou, e aquela atenção precisa não era muito necessária. Já adolescente, o filho mais novo resolvia-se bem no colégio e, de temperamento geralmente calmo, não trazia grandes problemas. No entanto, guardava as coisas para si. Ah, o olhar de mãe...

- O que você tem, Vini?

- Nada.

- Sei que tem algo, fale logo!

- Nada não, mãe.

- Se você não falar eu vou descobrir!

- Não se preocupe, não é nada.

Ao fim das palavras, uma compreensão mútua que excedia os laços de sangue. Aquela face de adolescente, que de maneira clara tivera seus primeiros contatos com a podridão da vida, dilatava-se em suas novas cicatrizes. Queria abraçá-lo e pô-lo pra dormir ao som das mesmas musiquinhas de outrora. Mas, como dizem, os filhos são para o mundo...

- Olha, Vini, você precisa entender que sua família é a única que está aqui por você. Amigos vão e vêm, e geralmente não se preocupam com você reciprocamente. Tudo tem limite, até a bondade.

Sempre emitia feições de que não entendia bem o que a mulher dizia, mas ela sabia que a mensagem estava entranhada no inconsciente. Era boa com o caçula, sem limites. E tinha tantas coisas pra pensar! Precisava trabalhar, cuidar da casa e evitar que a indiferença afundasse sua família. Às vezes se sentia carente, jogando ao ar palavras incisivas para o rapazinho.

- Cada um só sabe pensar em si mesmo, ninguém olha o meu lado!

Embora o gosto ácido da injustiça jorrava em sua boca, mantinha-a fechada. Abraçava, beijava, cantava, corria... Uma criança, apesar de tudo. Quase adulto, quando as engrenagens da rotina paravam por algum motivo, seu olhar decaía sobre aquela mulher de uma forma diferente. Que grande teor de admiração! Era sua mãe, afinal, na totalidade do significado dessas três letras. E entre pensamentos sobre a não imortalidade daquela mulher, suspirava, abraçava, beijava, cantava, corria...

6 comentários:

  1. OWNNNNNNNNNNNNNNNN
    eu queria ter esse dom da escrita as vezes, tenho inveja (saudavel ok?) lindo o conto! e num dia tao especial, sua mae merece! ^^
    sem duvida é uma mae fantastica, e nao é atoa que agradeço todos os dias por ela ter tido o vinicios!
    parabens mais uma vez!
    <3
    =**************

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  2. ManoO vai cagar ... você é fódah hein ... Me ensina como faz ??? abraços

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  3. fantástico Sr. Navarrrrro!
    e não sei pq, mas consegui visualisar com perfeição a parte das folhas arrancadas...
    aushuahshasuahushasa
    essa Sueli eh mesmo mto especial!
    "e nao é atoa que agradeço todos os dias por ela ter tido o vinicios!"²
    parabéns!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. maravilhoso.
    incrível a verossimilhança..
    Este tocou bem suave, não sei se é pq
    já, há alguns anos conheço tua mãe, então o q li, foi o q esperava msm ler..ela é uma grande mulher..
    mães como um todo, são grandes mulheres, sempre munidas
    de muita força que nem sabemos de onde vem, néh?

    beijo Gui.

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