quarta-feira, 19 de maio de 2010

Pedro e Liz - Parte II


É bem verdade que aquela cabeleira curta em chanel, rente aos ombros finos, não denunciava sua idade já superior aos trinta anos. Os lábios manchados de carmesim levitavam calmamente quando a mulher falava, ainda que as ondas sonoras expelidas por aquela boca de polpa carnosa pareciam retumbar durante longos segundos nas paredes do recinto. A vaidade nitente na figura de sua mãe soava ao garoto como uma ironia que aos poucos amargava a garganta, colando-a. Vanda investiu, aproveitando a feição pétrea de Pedro.

- Meu filho! – os saltos pontiagudos estatelavam no firmamento enquanto avançava. – Como senti saudades! Meu Deus, você está tão bonito! Exatamente como eu imaginava...

Sem se mover um centímetro sequer, o garoto sentiu os seios maternos tocarem sua testa enquanto era revolvido num abraço pouco caloroso. Fechou os olhos e percebeu as próprias mãos, que se negavam à reciprocidade daquele gesto, pendularem melancolicamente. Por mais desmesurada que parecesse a verossimilhança daquelas palavras, cada letra que sua mãe balbuciava lhe soava extremamente patética, desprovida de qualquer significado. Em suas divagações costumeiras sobre um possível reencontro com aquela que lhe abandonara, imaginava-a imersa em lágrimas, implorando desculpas aos quatro ventos e incitando histórias dramáticas que justificassem sua atitude. E o principal: diria que se arrependia muito, muitas vezes. Aquela silhueta, firme e de austeridade assustadoramente familiar, não era capaz de despertar nenhuma sensação naquele instante - nem sequer uma migalha de complacência.

- Você não está feliz em ver sua mãe depois de tanto tempo? – a chantagem tingida parecia ocultar uma vaidade interior.

- Sim, estou...

- Que ótimo! Tenho tantas coisas pra conversar com você...

- Onde está meu pai? – disse, desafiando as reações da mulher.

- Saiu, para que possamos conversar melhor. – murmurou baixo, ao pé do ouvido de Pedro, desenhando um sorriso de indiferença na face.

- Sei. Vou deixar minhas coisas no meu quarto e já desço para conversarmos.

- Tudo bem, meu querido. Quer ajuda?

- Não precisa.

Desvencilhou-se sem contato visual e subiu a passos rápidos a escadaria de uma madeira em podridão iminente. Entrou no quarto, no fim de um pequeno corredor, e fechou a porta num estampido mais forte do que desejava. Ali, naquela atmosfera que era só dele, liberou a respiração controlada que agora precisava da ajuda da boca para expelir aquelas bolhas de ar que outrora aprisionara, embora não sem dor. Grudou as costas na parede e tentou organizar os pensamentos. Não havia nenhum, além da própria ideia de não ter o que pensar. Uma nebulosa vazia confundia-o com uma tempestade de informações que em nada lhe afetavam. Sentou-se na cama, afundando os dedos delgados na cabeleira desgrenhada, num gesto de custosa impaciência, quando sentiu o celular em seu bolso brandir. Era uma mensagem de Diego.

Pedrinho, minha irmã gostou muito de você! Se não tiver nada pra fazer esse fim de semana pula aqui em casa, aí você dorme aqui e vamos ao clube sábado! Responda-me assim que puder. Abraços!

Procurou afastar Liz de sua mente. Em síncope, permitiu-se uma gargalhada histérica por constatar que sua profusão de emoções precipitava em cascata pela moça, mas não pela própria mãe. Não conhecia verdadeiramente nenhuma das duas há mais de um dia, afinal... Agora, com os rios fluindo perenes em seu âmago, uma vergonha mais acolhedora do que ofensiva, bem no abismo daquelas águas geladas, aquecia-o. Pensou nos homens que tocaram sua mãe, nas relações que estabelecera nesses anos. A liberdade da figura materna, que parecia dispensar qualquer nesga de satisfação, negando amortizar a sua ausência, confortava em detrimento de intrigar. Seria, em seus planos de megalomaníacos de evasão, deveras objetivo, e não fingiria a existência de um elo entre os dois. Mas também não exibiria rancor.

- Voltei, mãe. Pode falar o que queria. – ao fitar o olhar enevoado de Vanda, que se apoiava numa cadeira e encarava o assoalho liso, perguntou-se a cerca de quais assuntos ela conjeturara até então. Seria o flagelo do arrependimento?

- Serei direta, Pedro... – entrelaçou os dedos e curvou a cabeça, ocultando parte da face com os cabelos revoltosos que dançavam timidamente. – Nesse fim de semana quero que faça uma pequena viagem comigo.

- Viagem? – lampejou, perdendo o controle do tom. Sentiu a têmpora flamejar. – Você aparece sem dar nenhuma explicação e quer que eu viaje com você? Por acaso sabe se eu tenho algum compromisso?

- Estou doente! – golpeou-o no momento de sua exaltação, deixando que o silêncio anestésico perdurasse por segundos, para então prosseguir. – Tenho algumas semanas de vida e gostaria de passar um tempo com meu filho.

Atônito em suas pálpebras violentamente contraídas, Pedro se odiava por, mesmo diante da possível morte de sua mãe, não possuir sequer uma fagulha de desejo em acompanhá-la. O que mais o assustava era o motivo de tanta negação...

6 comentários:

  1. tem sempre um q eu ODEIO em seus contos!
    ODEIO a vanda!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    soh dela fazer chantagem jah me faz pensar q ela n merece neme esses ultimos dias de vida *malvada* adoro a forma como vc escreve, impressionante, fui imaginando os barulho do salto, e fui arrepiando! *-*
    seus contos sao os melhores!
    *chuta clarice lispector*
    =**************

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  2. que máximo..

    Mais um daqueles que tanto se assemelha
    com uma verdade crua que temos dentro de nós.
    Talvez, todos tenhamos um pouco de Pedro néh?
    São tantas situações o qual vivemos no corre corre do dia-a-dia..enfim
    acaba acontecendo um passo em falso cm os familiares, amigos.. às vezes ate injustamente.
    Pq a vida, nem de longe se molda somente em bons sentimentos, quem dera se tudo fosse sempre flores, etc etc.

    gooostei dessse guii!
    bunitão

    beijoooooo

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  3. ah Gui, está ótimo....
    *ansiosa*
    *-------*

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