segunda-feira, 3 de maio de 2010

Mihir


Nymphaea lotus. A flor de Lótus: ícone das doutrinas religiosas orientais cuja simbologia evoca as raízes culturais de diversos povos. Flor aquática, dispensa regas e pode ser cultivadas em ambientes diversos, justificando sua abundância em quase toda a Ásia. Ao emergir imperiosa do lodo, personifica a superação de obstáculos preconizada pelo budismo. O desabroche, que se configura em pétalas de brancura inalienável, trazem consigo a mensagem da pureza mesmo diante das inúmeras máculas do mundo, através de canais e práticas espirituais construídas com amor e compaixão - a espada e o escudo de Buda.

Mihir, na posição meditativa que homenageia o talvez maior símbolo da religiosidade oriental, sustentava levemente seu corpo infantil numa postura onde suas pernas, cruzadas e entrelaçadas, alicerçavam nos joelhos as mãozinhas de dedos delgados. O assoalho de madeira, que revelava aos fundos do templo um imenso jardim a sua frente, não era sentido pelo garoto. Focava-se na respiração ritmada, buscando o completo vazio da mente. O ar, que de maneira calma percorria suas vias respiratórias e retornava, era como um fluxo de energia pura revitalizando seu interior.

- Mihir, já é o suficiente... – uma silhueta extensa, de proporções colossais quando comparadas ao menino, trazia em sua pele de chocolate moldada pelo escaldo solar uma expressão de serenidade acolhedora.

- Sim, Balamohan. – assentiu num meio sorriso, ao perceber as mãos pesadas de seu mentor desgrenhando sua cabeleira negra. – Mas quero ficar aqui mais um pouquinho, se me permite.

- Farei companhia.

O pequeno indiano, ao abrir os olhos, contemplou a botânica exuberante que o margeava. De pequenos arbustos retorcidos a árvores de copas largas e compridas, o vergel exibia uma miscelânea de espécies vegetais que refletia na abundância de insetos e outros polinizadores. Desprendendo-se da elevação de madeira, Mihir pôs-se a caminhar entre os caules diversos, sentindo aromas ludibriantes que se confundiam nos receptores olfativos do garoto. Um fruto de casca escura, que se dependurava glorioso no pedúnculo esverdeado, chamou-lhe a atenção. Ele já bem sabia que se tratava de um mangostão, fruta exótica comumente às regiões do sudeste asiático, nas zonas tropicais. Mesmo sem fome, colheu-o e retornou ao tablado.

- Entre todas, trouxe logo a rainha das frutas.

- Rainha das frutas?

- Isso mesmo, ela é chamada assim! O mangostão possui diversas propriedades... – murmurou, acariciando a barba branca como se o ato aumentasse a fluidez de seu conhecimento. – Impede que o corpo acumule muito peso e evita o aumento da pressão sanguínea. Também dizem que previne o cansaço.

Arqueou as sobrancelhas num sinal de sincero interesse. Dado o silêncio, abocanhou a rainha sem hesitar. Os dentes afundaram na polpa que era reconhecida por ter o melhor dos sabores. Mentira. A mucosa bucal logo se enrugou em contato com o gosto áspero e sujo. Mihir cuspiu antes mesmo de engolir. Dentro, o mangostão exibia um estofado verde escuro no lugar da textura escarlate comum.

- Está podre! – exclamou, para depois suspirar pelo canto da boca – Como pode! Tão linda, macia e cheirosa...

- E continua linda, macia e cheirosa. – lampejou, incisivo.

- Mas de que adianta, Balamohan?

- Não seja ignorante! Esses atributos são úteis à fruta justamente para que se aproximem, exatamente como você fez! – virou-se de costas e abaixou o tom da voz – Caso não aprenda a deixar de ser seduzido pelo envoltório externo, pelo charme e pela vaidade, acabará se decepcionando com âmagos podres com cada vez maior frequência.

- A raiva parece me dominar, quando me deparo com essa podridão que existe em todas as coisas do mundo... – sibilou, com as pálpebras caídas e os braços moles. Sentiu que a determinação no controle espiritual através da meditação tinha sido totalmente em vão. O velho percebeu a angústia, voltando a ostentar a aparência receptiva.

- Não se sinta culpado por isso, meu caro jovem. Você não é culpado pelo que sente, mas sim pela forma com que age. Se quer evoluir, redirecione esse sentimento para as saborosas frutas que você certamente encontrará e fique grato pelas que já encontrou no seu caminho.

O pescoço se deslocou numa afirmação. Compreendia. Limpou a terra dos joelhos e voltou a se aventurar na mata densa. Sentia fome.

6 comentários:

  1. AMEIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII
    comparaçao e mensagens formidaveis!
    nunca vi tanta criatividade!
    voce realmente conseguiu transmitir a sabedoria do mestre, a revolta do garoto, e a escencia da religiao, tudo d uma forma tao suave!
    e me pareceu q tem um dominio fantastico dos ensinamentos.
    parabeeeeeeeeeeeeeeens!
    um conto digno de ser desenvolvido, e ponto de virar um romance
    *-*
    =*************

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  2. nossa!!!!
    adorei!!!
    mto bom Gui!!!!
    vc passou a essencia da historia, da religiao e da moral d uma forma muito singela, muito delicado!
    com certeza seus estudos estão dando certo e rendendo bons frutos!
    Parabéns mais uma vez!

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  3. Ficou muito bom mesmo... como já sabe e já cansou de ouvir eu adoro seus textos.
    Parabéns. :]

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  4. esse era o mais fantasioso, qe eu provavelmente naum gostaria?

    Poois eu adorei!

    Muito lindo ele.

    JAI HOO ! o/

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  5. Conhecer o novo assim é muito bom.
    Ainda com fome...

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