terça-feira, 6 de abril de 2010

Ana

- Eu nem me importaria se meu cabelo fosse ruim, ia deixar crescer. Não ia cortar de jeito nenhum! Nenhum mesmo...

- Você vai ter tempo pra isso...


Sentia uma veia próxima ao ouvido pulsar freneticamente. Aquelas palavras, entoadas num dramático tom de falso galicismo poético, conseguiam com êxito me fazer tremer. Raiva! Não precisava de toda aquela encenação se tudo acabou bem! As minhas expressões faciais eram tão falsamente plásticas que ele só não notava minha indisposição porque sua mania de autopiedade as interpretava como tristeza. Ainda assim, não o fitava no olho. A testa sempre franzida em três grossas linhas. Folheava a revista fingindo me distrair com as belas paisagens.


- Engraçado Ana... Nenhum palhaço veio aqui esses dias todos.

- Palhaço?

- É! Dizem que eles vêm fazer brincadeiras com quem tem câncer.

- Talvez você não tenha ficado tempo o suficiente para que um deles aparecesse.


Câncer! Adorava pronunciar bem devagar cada fonema dessa mácula que ele transformava em triunfo, mesmo após tê-la vencido com o advento da dor e preocupação de vários parentes e amigos. Eu mesma criei manchas púrpuras ao redor dos olhos - não sei se devido às lágrimas ou à insônia. Após essa luta sua silhueta parecia mais fraca, não como a costumeira humildade digna de um vencedor orienta. Não o condeno pela ausência de cabelos ou pela pele exageradamente pálida, mas pela postura que perdera a convicção de um homem e dera lugar a uma criança que vomitava chantagens ininterruptamente.


- Estou com sede...

- Tem água bem aí do seu lado.


Se aquela era uma tentativa para que eu erguesse o olhar – o que me veio na mente ao notar que ele não se movia para alcançar o copo -, não funcionou. Não daria o braço a torcer. Uma luta havia se instalado: ele me forçava a adulá-lo ou eu me mantinha fiel a minha personalidade. Deitei a cabeça no estofado e fechei os olhos. Tanto cansaço! Podia senti-lo em cada membro do meu corpo. Seus pais estavam tão alegres... Quando apareceram de manhã, quase me senti doente por estar tão mal humorada numa situação tão propensa à euforia. Talvez eu não estivesse ali por ele, mas para provar a mim mesma que sou uma boa amiga...


Um estridente despedaçar de vidros me fez interromper estupefata os poucos segundos de meditação. Em síncope, gritei a enfermeira e pedi que recolhesse os estilhaços, sem sequer me lembrar de como me levantara da cadeira.


- Eu não sei o que houve, é como se eu tivesse perdido o movimento da mão por um segundo! Será que não estou totalmente recuperado?

- Você está bem, não fique imaginando coisas! Palavras negativas atraem energia negativa. Devia estar é feliz por deixar o hospital, e não se lamuriando como se fosse o fim do mundo! Já não basta o monte de pessoas que sofreu por sua causa? Seja menos mimado e encare os fatos!


Sua reação de surpresa foi como um tapa seco na minha face. Uma nódoa esverdeada escorria pelas narinas. Respirava pela boca, ofegando profundamente. Pedras de gelo inundaram meu estômago ao imaginar que ele poderia ter uma convulsão ou algo igualmente sério. No entanto, seus olhos esbugalhados se alinhavam na direção de outra pessoa: sua mãe, que estava em pé atrás de mim, atônita. Saí em passos rápidos pelos corredores brancos, justificando minha violência verbal em pensamentos confusos - num mesmo gesto de pena e preservação de imagem que eu mesma condenara anteriormente.


Demorei a perceber que gostava muito dele. Não queria aceitar seu sofrimento. Covarde, evitava as palavras para que sua dor não fosse realidade. Ignorar era uma forma de me isolar numa bolha de mentiras confortáveis. O que era pra ser um belo sentimento se transfigurou numa resistência que, alimentada pela falta de diálogo, chegara ao ápice e me fizera perder uma das pessoas mais importantes.


O câncer voltou, dois anos depois, mais agressivo. Entrou em metástase rapidamente. Perdi uma das pessoas mais importantes.

4 comentários:

  1. vc ns e cansa d matar as pessoas nos contos?
    UHAHAUHUAAUHAUHAUH
    brincadeirinhaaaaaaaaaa!
    adoreeeeeeeeei
    UHAHUAHUHUAHAUHUAAH
    ainda mais a parte da mae dele ter visto tudo!
    q triste, vc vencer o cancer e depois ele voltar pior depois!
    mas adorei a historia, *-* e o dialogo!
    gostei demais do conto, e a imagem caiu mto bem!
    *-*
    sempre se superando!!!!!!!
    e eu quero andre IV
    PLEEEEEEEEEEASE!
    =********************
    (L)

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  2. Nossa!
    Eh exatamente isso que eu penso..
    Não guarde oq vc realmente pensa...Naum deixe pra fazer amanha oq vc pode fazer hoje!
    São tantas coisas que a gente deixa de viver por medo...ou até mesmo orgulho,e acabamos por perder pessoas importantes,momentos importantes por falta de coragem..
    Depois a culpa nos corroe e nos tornamos pessoas tristes e amarguradas..
    Espero q tua historia sirva de carapulça pra mta gente e elas mudem o jeito de ser..
    Ficou lindo Gui!
    Te amo!

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  3. Faço das palavras da Sabrina, as minhas palavras.
    Bobagem na vida é guardar sentimentos e emoções, por mais minuciosos e delicados que possam parecer. Ainda que eles não tenham a capacidade de levar à lugar algum...
    vibrar os sentimentos, quaisquer que sejam eles, é um modo como 'auto libertação de alma'.
    E nossa, viver com o pesar da possibilidade, e dos infinitos 'SEs' , deve ser duro demais.
    Creio eu, que o medo, e a falta de alguns riscos, tornam a vida bem menos emocionante, do que poderia ser.

    Amei este coonto Gui.
    mega reflexiivo !

    super beijo, te amo.

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  4. meu Deeeeus! adorei o conto, apesar de ser um pouco tragico...
    a forma como vc colocou a relação sentimentos-dificuldade em expressá-los e a necessidade de expressá-los...nossa...demais!

    q triste, vc vencer o cancer e depois ele voltar pior depois!²
    mas adorei a historia, *-* e o dialogo!²

    e sim...eu tbm quero André IV!!!

    Parabéns Guiiiiiiiii!!!!!!!!!!

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