A água cai fria. Sopros molhados divergiam das nuvens que se aglomeravam numa colcha negra. Zachariah fumava, imerso em pensamentos. O carro, de um preto luxuoso que repelia toda a luz, seguia suas ordens contornando as sinuosas curvas da cidade. Viagem a trabalho! Uma gota de suor brotava logo acima dos olhos e desenhava um caminho tímido em volta de seu nariz, titubeando salgada nos lábios ressecados. Se ao menos pudesse escolher outra pessoa para fazer aquilo... Não, ele tinha sido requisitado. Se fugisse, enfrentaria sérias consequências.
– Sei muito bem que não é o tipo de coisa que você faria, Zach. Mas você sabe que essa é uma situação excepcional... Muitas vidas certamente serão poupadas. – balbuciou Esther, abrindo uma fresta do vidro para que a fumaça do cigarro escapulisse. Sua voz, porém, não arrancara nenhuma mudança de expressão no companheiro. Voz que por um momento soara plástica e desinteressada. Ela não entendia nada, afinal. Não era ela que poria de lado sua ética de profissional e sua fé em nome de uma chantagem! Cravou os punhos com mais força no volante. Pulverizou o cigarro nos dedos. Um suspiro morno revolvia seus pulmões e era exalado pela boca. Um sopro de silêncio.
Trancou a porta do carro sem entusiasmo. Fitou a lataria fosca, conferindo como estacionara. Esther olhava-o com aquela preocupação doentia que o fazia desejar que a menina sumisse. Cerrou o olhar apreensivo e se dirigiu ao casarão no fim da rua. Pilastras ornamentais, alvas e com trepadeiras jovens alicerçavam o que mais parecia uma mansão grega. Aquele luxo o enojava. Janelas do tamanho de portas se gabavam do interior da casa, estampando para quem ousasse olhá-la uma riqueza agressiva, que deixava claro em cada móvel não ter sido fruto de histórias familiares honestas. Seus passos eram lentos, a respiração arfava em chiados de angústia. A companheira resmungou duas palavras que o doutor confirmou sem se preocupar sobre o que se tratava. A campainha era estridente, como se precisasse ecoar em todo o bairro para avisar que chegaram visitas.
– Doutor Zachariah! Por favor, entre. – a voz de tenor, falsamente receptiva, quebrara o silêncio. A porta ainda estava fechada. Empurrou-a lentamente e viu a silhueta de seu algoz bem diante de si. Olhos que se comprimiam em linhas finas, imitando a boca de um rosa doentio salpicada de cascas. O cabelo grisalho crescia tímido. Havia uma aura maliciosa que facilmente se detectava, contornando o fanfarrão. Esther vislumbrava aquela atmosfera de nobreza mórbida com sua usual displicência. – Não faça tantas delongas, sua paciente está logo no fim daquele corredor. – o velho bradava. Queria correr. Suas pernas pareciam não respeitar seus impulsos de fragilidade. Seguiu, sem triunfos.
É tão frustante ser obrigado a trilhar um caminho que não queremos percorrer... já sinto a ira do Dr. Zacariah.
ResponderExcluirEntão essa vai ser a história que vai virar um bestseller daqui uns anos ? Acompanharei fielmente Gui ! Você escreve lindamente bem *-* <3
ResponderExcluiransioso pelo próximo.
ResponderExcluir"A porta ainda estava fechada. Empurrou-a lentamente e viu a silhueta de seu algoz bem diante de si."
o quão sinistro deve ser ver a morte de frente.
Nossa...mas esse meu amigo tem o dom pra escrever né?eu fico impressionada =O
ResponderExcluirGui adorei...ficou tão linda a historia...quero ver como vai ficar a próxima!
ah como eu te amoo meu amor...*___*