As gramas mal aparadas faziam daquele jardim um lugar ainda mais bonito e heterogêneo, sempre amontoado de insetos e pássaros em busca do âmago das flores. Gostava dali, pois era de uma falsa naturalidade muito aconchegante. Deitei-me e procurei ignorar a coceira que fornicava minhas costas. Com os braços estendidos e as pernas flexionadas, passei as falanges por entre as gramíneas arrancando as pontinhas já afiadas, lançando-as uma a uma novamente no acolchoado verde. O céu de um azul claro que muito me agradava exibia nuvens livres e velozes, que pintavam formas desconexas a cada segundo naquele manto divino de beleza inalienável.
O ócio não deveria ser bem vindo, já que precisava entregar vários trabalhos da universidade e à noite havia marcado um jantar com a nova namorada para conhecer seus antiquados pais. Ainda assim, vestia o pijama costumeiro e fingia ignorar os convites para o almoço. Essa sobrecarga de afazeres surtiu em mim um efeito antagônico ao esperado, afinal, nada disso parecia ter muita relevância naquele instante. Subitamente senti uma movimentação estranha na perna; uma formiga em sua ingenuidade de mera operária prendeu-se nos pêlos de meu calcanhar e me fez admirá-la pelas tentativas determinadas em se desvencilhar daquele emaranhado que, na visão daquele diminuto ser vivo, possivelmente se assemelhava a um verdadeiro labirinto. Depois de poucos segundos, cutuquei-a de volta ao firmamento. Certamente a esmagaria caso estivesse simplesmente caminhando num cômodo da casa ou mesmo na rua. Puro capricho.
As árvores assobiavam e se inclinavam em resposta ao vento, numa harmonia rítmica que não me surpreenderia se fosse copiada por alguma bela música já existente. Foi então que inclinei a cabeça e vi, no fundo do pátio, próximo a um balanço oxidado, um vaso que exibia uma majestosa orquídea. A miscelânea de cores em suas pétalas tornava-a um destaque iminente naquele cenário de natureza artificial. Os insetos se banhavam em seu pólen colorido e descobriam no âmago protegido pelas sépalas o regozijo da vida. Não havia flores ao redor.
E tudo aquilo, e eu, viemos da mesma matéria. Pensar em evolução fazia minha mente entrar num estupor que, se por um lado eu me sentia ávido pelo conhecimento, por outro parecia adentrar no vazio da insignificância. Nunca fui uma pessoa muito religiosa, preferi as explicações pautadas pela ciência, muito porque elas não exigiam que eu acreditasse nelas. Muitos falam que há falta de fé em mim, mas pensando melhor, para acreditar na evolução não é preciso muito mais fé? Pensar que todos os seres existentes hoje possuem um ancestral comum, e que as diferenças entre todos são derivadas, entre outros, da conjunção do ambiente com os fatores genéticos? É difícil aceitar isso vendo uma sequóia gigantesca, com seus ramos habitando tantos seres diferentes entre si: louva-deus, barbeiros, bem-te-vis, hemiparasitas, fungos e outros milhares de seres vivos infinitamente pequenos.
Fui até a orquídea e alisei-a com o indicador. Trazendo-a ao nariz pude perceber uma fragrância suave, possivelmente mais uma estratégia adaptativa para atrair os polinizadores. As coisas pareceram frias e mecânicas demais. Arranquei algumas pétalas e lancei-as ao orvalho, observando o rebuliço das vespas e besouros.
Um convite mais irritadiço para a refeição irrompeu da cozinha. Suspirei, procurei afastar aqueles pensamentos da minha mente e voltar a viver o mundo tão focalizado em mim mesmo, já que era tão mais fácil aceitá-lo.
O ócio não deveria ser bem vindo, já que precisava entregar vários trabalhos da universidade e à noite havia marcado um jantar com a nova namorada para conhecer seus antiquados pais. Ainda assim, vestia o pijama costumeiro e fingia ignorar os convites para o almoço. Essa sobrecarga de afazeres surtiu em mim um efeito antagônico ao esperado, afinal, nada disso parecia ter muita relevância naquele instante. Subitamente senti uma movimentação estranha na perna; uma formiga em sua ingenuidade de mera operária prendeu-se nos pêlos de meu calcanhar e me fez admirá-la pelas tentativas determinadas em se desvencilhar daquele emaranhado que, na visão daquele diminuto ser vivo, possivelmente se assemelhava a um verdadeiro labirinto. Depois de poucos segundos, cutuquei-a de volta ao firmamento. Certamente a esmagaria caso estivesse simplesmente caminhando num cômodo da casa ou mesmo na rua. Puro capricho.
As árvores assobiavam e se inclinavam em resposta ao vento, numa harmonia rítmica que não me surpreenderia se fosse copiada por alguma bela música já existente. Foi então que inclinei a cabeça e vi, no fundo do pátio, próximo a um balanço oxidado, um vaso que exibia uma majestosa orquídea. A miscelânea de cores em suas pétalas tornava-a um destaque iminente naquele cenário de natureza artificial. Os insetos se banhavam em seu pólen colorido e descobriam no âmago protegido pelas sépalas o regozijo da vida. Não havia flores ao redor.
E tudo aquilo, e eu, viemos da mesma matéria. Pensar em evolução fazia minha mente entrar num estupor que, se por um lado eu me sentia ávido pelo conhecimento, por outro parecia adentrar no vazio da insignificância. Nunca fui uma pessoa muito religiosa, preferi as explicações pautadas pela ciência, muito porque elas não exigiam que eu acreditasse nelas. Muitos falam que há falta de fé em mim, mas pensando melhor, para acreditar na evolução não é preciso muito mais fé? Pensar que todos os seres existentes hoje possuem um ancestral comum, e que as diferenças entre todos são derivadas, entre outros, da conjunção do ambiente com os fatores genéticos? É difícil aceitar isso vendo uma sequóia gigantesca, com seus ramos habitando tantos seres diferentes entre si: louva-deus, barbeiros, bem-te-vis, hemiparasitas, fungos e outros milhares de seres vivos infinitamente pequenos.
Fui até a orquídea e alisei-a com o indicador. Trazendo-a ao nariz pude perceber uma fragrância suave, possivelmente mais uma estratégia adaptativa para atrair os polinizadores. As coisas pareceram frias e mecânicas demais. Arranquei algumas pétalas e lancei-as ao orvalho, observando o rebuliço das vespas e besouros.
Um convite mais irritadiço para a refeição irrompeu da cozinha. Suspirei, procurei afastar aqueles pensamentos da minha mente e voltar a viver o mundo tão focalizado em mim mesmo, já que era tão mais fácil aceitá-lo.
"Solidão eu sinto quando estou entre as pessoas, mas nunca senti tal sentimento em meio à natureza". [Montgomery]
ResponderExcluirNão canso de ler estes contos! magnifico Guilherme!
ResponderExcluirEu ameeeeeeeeeeeeeei esse !
ResponderExcluirtodo conto q leio teu, ou texto qualquer..
alguma palavra é aquela
que chaama mais a minha atenção..
e a deste foooi :miscelânea
adorei tudo.
Perfeito
ResponderExcluirAcabei ficando deitado na relva e deixando a reflexão dele em segundo plano.
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