De alguma forma eu me lembro de ti quando me deparo com qualquer coisa que me faça interromper uma respiração. A eternidade ensaiada que compõe um susto. O abismo entre o silêncio e o toque do arco no violino. Sinto a sediciosa queda livre durante todos os ponteiros dos relógios todos. O próximo segundo pode trazer qualquer surpresa triste, como sua silhueta diminuindo na geometria do meu olhar, dolorosas janelas enevoadas. Lembro porque o que causa em mim é tão feroz que abre meus poros para a sensibilidade da Terra e no meu planeta só há catástrofes.
Sempre achei belo em você não o que possui de afetuoso, mas o que possui de urgente. Uma beleza em lampejos que faz para o meu coração o que o sol faz para os olhos, de forma até mais inebriante. O que percebo de elétrico quando entrelaço sua mão com desespero vem da mesma energia bestificante que me coloca forte para abandonar toda a minha história, porque onde há o eu na limitação do singular não há meu interesse. Contigo, composto: o que quero. Todos os outros laços que fiz vêm de tecidos de mim e fios de sangue que quero unir para fazer o nosso nó, amaldiçoando-nos na eternidade do eterno. E quando exibo toda a avaria nas gesticulações teatrais que os apaixonados comumente desenham, você abre um sorriso que é a aurora boreal cobrindo o meu deserto, e então não preciso me chover.
Outrora, a imagem de mim - uma ave confinada. Ou talvez não confinada, mas nascida já atrelada a grilhões. O canto de desmazelo ensurdecido pelas indiferenças cotidianas, o grito surdo que não reverbera em quina alguma, cantando a solidão que não cabe na extensão da própria palavra. As asas são uma promessa longínqua de um voo que nunca acontecerá. E quando o meu decerto salvador, você, apareceu entre as grades com a chave tilintando entre os dedos, não abriu a porta para que eu saísse. Abriu a porta para que você entrasse. Enclausurou-se comigo sem nenhum gemido de desconforto. Sussurrou nos meus ouvidos que o mundo lá fora também possui limites e que a nossa liberdade seria real porque viria de dentro, do imaterial. Nosso mundo seria ali e seria enorme e eu não precisaria bater asas. Melhor é te sentir com os pés tocando o chão, na esperança de raízes.
Ah... Não é como se eu quisesse uma vida romântica de alegrias continuadas. O amor está no desamparo de um meio esgar azedo de lábio, e também na sombra que tolda o rosto quando sua mão fecha meus olhos em surpresa. O suspiro decoroso e a comiseração despreocupada. Eu quero o abrasivo torpor do verão intercalado com a despedida que é comum ao outono. Acordar com a fúria escapulindo entredentes e dormir feliz feito um passarinho. Entre os vales e picos: ao regozijo desmesurado que há na felicidade e ao aprendizado cicatricial que há na tristeza, viajar...
Se existe no concreto ou no abstrato, existe e basta. Existe em mim e me sobrepuja, como três dimensões sobre duas. Todo amor é um fulgor de fantasia, fuga desmascarada, força motriz do movimento. É a única linguagem que transcreve nosso caos.
Como eu me contento quando você desafia sua própria relutância para escrever sobre o amor (o que, digo mais uma vez - e mais mil, se precisar - que não deveria relutar, uma vez o faz muito bem).
ResponderExcluirÉ (sempre) notável a sua evolução na sua escrita, escrita e o quanto você é capaz de manusear o roteiro de forma tão íntegra. Isso acaba te dando um ar de Deus sobre as histórias que cria, ciente de que personagens são sobretudo humanos, com seus detalhes fascinantes e desprezíveis. E antes que se espante ou ache a minha comparação exagerada, tenho certeza que não sou a única que possui essa opinião.
O título me parece perfeito. Consegue arrematar todo o significado do texto tornando-o completamente inesquecível. Isso, além da sensação de "tudo faz sentido" que ajuda a acalentar nosso peito quando encontramos respostas que muitas vezes nem sabemos que procuramos até encontrá-las.
Texto incrível.
P.S.: Já ia me esquecendo, o trecho "você abre um sorriso que é a aurora boreal cobrindo o meu deserto, e então não preciso me chover" com certeza é uma das coisas mais bonitas que você já escreveu sobre o amor.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAs palavras que eu precisava no momento mais urgente. Obrigado! Belíssimo conto.
ResponderExcluirMuito massa :)
ResponderExcluirChorei :')
ResponderExcluirTenho orgulho de ser amigo do melhor escritor da nossa geração.
ResponderExcluirolá meu caro,
ResponderExcluirobrigada pela visita.
os dias têm sido corridos, exaustivos. tanta coisa para dar conta.
estou um pouco afastada dos blogs afora, gostaria de visitar todos diariamente, comentar, deixar algo além de uma palavra. mas é difícil. e nem todos entendem. penso que, por isso que as visitas ao meu tenham caído tanto, rsrs.
tem gente que ainda pensa: 'só visito quem me visita. e quem comenta no meu'.
bem, é isso.
sua visita me alegra :)
vejo que está produzindo bastante - será que breve teremos um lançamento? boas leituras e escritas,
um abraço!
Não sei se sou fã e pai ou pai e fã. Qualquer um deles me faz orgulhoso e satisfeito. Qualquer um deles estará sempre em primeiro lugar. Parabens Gui.
ResponderExcluirParabéns Gui... Vc é um excelente escritor e me orgulha muito!
ResponderExcluirSaudade desses textos tão bem escritos, tão bem contados. Muito obrigado por continuar compartilhando poesia através dos teus dedos para que possamos nos deliciar através de nosso olhos. E, parabéns!
ResponderExcluir