Querido Diário,
Nos encontramos. Eu não consigo sequer ordenar os acontecimentos na minha mente, pois até a minha visão está trêmula, embaçada... Sinto frio. Suo. Depois arrepio. Vou até a janela e até a geladeira sem objetivo nenhum. Não há pensamentos formulados, já que não há fórmula para o amor. Sinto-me observada pelas paredes, invejada pelos ursos de pelúcia. Eles me fitam com certa tristeza, como se não desejassem o desabrochar de minha feminilidade. Nem sequer lembro quem me deu essa almofada em forma de borboleta. Tão patética! Atirei-os pelo chão e aqui estou, deitada, rolando sobre mim mesma em risinhos de ansiedade. Não sinto mais cheiro, senão o cheiro dele... Tudo que possui cor parece ter sido criado pelas suas mãos mágicas. Mãos tão lindas! Suas unhas róseas estranhamente nunca se sujavam. Aparadas perfeitamente. As veias abriam caminhos salientes por debaixo da pele. Quis apalpá-las. Ele deixou. Felizmente, havia largado a aliança na bolsa minutos antes. Falamos sobre arte, sobre política, sobre religião. Os assuntos cotidianos, saindo de sua boca, configuravam-se num completo espetáculo teatral. Falava tão baixinho! Num requinte de educação que me fez sentir uma princesa. Não pude controlar o trepidar de minha respiração. Como fui estabanada! Tudo em mim denunciava meu interesse: o batom carmesim - que dava mais carne aos meus lábios secos, a maquiagem feita minuciosamente, os cabelos hidratados num penteado incomum e, sobretudo, minha gesticulação ilógica e a inconstância da minha voz. E não sei descrever bem o momento do beij.............................................................................................................................
As ondas lambiam meu pé, quando amassei essa página e deixei que o líquido maculado da traição pingasse na areia molhada. Onde estavam as lágrimas para se juntar àquele caldo? Sentia a amargura cáustica espremendo meu peito. Mas não chorava. Meu nome não havia sequer sido citado em suas confissões de vadia recalcada! Que desprezo belamente disfarçado... E eu estava ali, sujo de areia e embebido em ódio. E fiquei. Afundei minha mão na lama que se formava e erguia o punhado marrom e pastoso para depois lançá-lo, até que retumbasse no mar. Nuvens e nuvens e nuvens... Chuva.
Depois do quadro das violetas, muitos vieram. Thaís, que já sucumbia toda a sua suavidade para dar lugar a um temperamento instável, vivia numa realidade intocável a qualquer humano senão ela mesma. Quando ele pintava maçãs, fingia descobrir uma por acaso em seus pertences. Pintou um avião e ela, eufórica, desprendeu horas tagarelando sobre como ele previra a chegada de sua prima que morava em Barcelona. Eu não a beijava mais. Não abraçava. A rigidez da minha face diante de seus devaneios era evidente, o que se somava ao meu silêncio inquebrantável. Ela não notou, ou não se importou. Houve, então, uma tela onde um casal se enamorava no diáfano pôr-do-sol. Tranquei-me no quarto.
Relembrava cada um desses episódios, sem sentir as gotas já fortes salpicarem meu corpo. O celular tocou, e quando o retirei do bolso da bermuda vi seu número brilhar. Brilho que fez nascer um ponto de esperança nas trevas daquela quase depressão. Ela não notava minha existência há semanas... Atendi ali mesmo.
- Alô?
- André? – logo senti algo estranho em sua voz, imaginando que fosse a tempestade que se formava causando algum tipo de interferência.
- Eu mesmo. Aconteceu alguma coisa, Thaís?
- Não é a Thaís, é a mãe dela.
- Ah, pois não dona Sônia...
- Hoje cedo ela disse que sairia para visitar um amigo que morava em frente a basílica e está demorando muito pra voltar. Não atende o celular e, como está chovendo, fico preocupada. Pensei que ela estivesse com você...
- Não não. Mas vou procurá-la e levá-la pra casa, fique tranquila
- Então ótimo, estou esperando. Tchau Dedé!
- Até...
Rompi com a letárgica covardia que me envenenava e disparei pelas ruas.
Nos encontramos. Eu não consigo sequer ordenar os acontecimentos na minha mente, pois até a minha visão está trêmula, embaçada... Sinto frio. Suo. Depois arrepio. Vou até a janela e até a geladeira sem objetivo nenhum. Não há pensamentos formulados, já que não há fórmula para o amor. Sinto-me observada pelas paredes, invejada pelos ursos de pelúcia. Eles me fitam com certa tristeza, como se não desejassem o desabrochar de minha feminilidade. Nem sequer lembro quem me deu essa almofada em forma de borboleta. Tão patética! Atirei-os pelo chão e aqui estou, deitada, rolando sobre mim mesma em risinhos de ansiedade. Não sinto mais cheiro, senão o cheiro dele... Tudo que possui cor parece ter sido criado pelas suas mãos mágicas. Mãos tão lindas! Suas unhas róseas estranhamente nunca se sujavam. Aparadas perfeitamente. As veias abriam caminhos salientes por debaixo da pele. Quis apalpá-las. Ele deixou. Felizmente, havia largado a aliança na bolsa minutos antes. Falamos sobre arte, sobre política, sobre religião. Os assuntos cotidianos, saindo de sua boca, configuravam-se num completo espetáculo teatral. Falava tão baixinho! Num requinte de educação que me fez sentir uma princesa. Não pude controlar o trepidar de minha respiração. Como fui estabanada! Tudo em mim denunciava meu interesse: o batom carmesim - que dava mais carne aos meus lábios secos, a maquiagem feita minuciosamente, os cabelos hidratados num penteado incomum e, sobretudo, minha gesticulação ilógica e a inconstância da minha voz. E não sei descrever bem o momento do beij.............................................................................................................................
As ondas lambiam meu pé, quando amassei essa página e deixei que o líquido maculado da traição pingasse na areia molhada. Onde estavam as lágrimas para se juntar àquele caldo? Sentia a amargura cáustica espremendo meu peito. Mas não chorava. Meu nome não havia sequer sido citado em suas confissões de vadia recalcada! Que desprezo belamente disfarçado... E eu estava ali, sujo de areia e embebido em ódio. E fiquei. Afundei minha mão na lama que se formava e erguia o punhado marrom e pastoso para depois lançá-lo, até que retumbasse no mar. Nuvens e nuvens e nuvens... Chuva.
Depois do quadro das violetas, muitos vieram. Thaís, que já sucumbia toda a sua suavidade para dar lugar a um temperamento instável, vivia numa realidade intocável a qualquer humano senão ela mesma. Quando ele pintava maçãs, fingia descobrir uma por acaso em seus pertences. Pintou um avião e ela, eufórica, desprendeu horas tagarelando sobre como ele previra a chegada de sua prima que morava em Barcelona. Eu não a beijava mais. Não abraçava. A rigidez da minha face diante de seus devaneios era evidente, o que se somava ao meu silêncio inquebrantável. Ela não notou, ou não se importou. Houve, então, uma tela onde um casal se enamorava no diáfano pôr-do-sol. Tranquei-me no quarto.
Relembrava cada um desses episódios, sem sentir as gotas já fortes salpicarem meu corpo. O celular tocou, e quando o retirei do bolso da bermuda vi seu número brilhar. Brilho que fez nascer um ponto de esperança nas trevas daquela quase depressão. Ela não notava minha existência há semanas... Atendi ali mesmo.
- Alô?
- André? – logo senti algo estranho em sua voz, imaginando que fosse a tempestade que se formava causando algum tipo de interferência.
- Eu mesmo. Aconteceu alguma coisa, Thaís?
- Não é a Thaís, é a mãe dela.
- Ah, pois não dona Sônia...
- Hoje cedo ela disse que sairia para visitar um amigo que morava em frente a basílica e está demorando muito pra voltar. Não atende o celular e, como está chovendo, fico preocupada. Pensei que ela estivesse com você...
- Não não. Mas vou procurá-la e levá-la pra casa, fique tranquila
- Então ótimo, estou esperando. Tchau Dedé!
- Até...
Rompi com a letárgica covardia que me envenenava e disparei pelas ruas.