domingo, 30 de dezembro de 2012

Epifania


- Eu estava sozinho, e então você apareceu.

- Mas você tem tantos amigos...

- Eu estava sozinho.

- Acho que você exagera demais as coisas que vive, faz tudo parecer um filme.

- De qual gênero?

- Drama, com certeza.

- Seu preferido.

--

- Eu gosto de segurar sua mão, me sinto bem!

- Sua mão é macia, parece de criança...

- Diz aqui: você se imagina como, daqui a dez anos?

- Louco, mancando. Desempregado e com dívidas. Algumas cicatrizes, talvez...

- Por que louco?

- Você já me faz assim, não vê?

--

- Outro dia me assustei ao respirar.

- Como assim?

- Não sei, respirei de uma forma diferente e meu coração acelerou.

- Que estranho... Acha que está bem de saúde?

- Como nunca estive.

- Então o que houve?

- Atrasei meu pensamento.

- Atrasou o pensamento?

- É que tenho essa mania de pensar no seu sorriso antes de dar a primeira respirada do dia. Dá sorte!

--

- Não chore, vai.

- Choro porque me importo.

- Chora porque há um machucado.

- Choro porque quero sarar.

- Chora porque há fraqueza.

- Choro porque há força para expelir as lágrimas, fraco é quem finge.

- Não finjo. É que às vezes não sinto nada, mesmo.

- É, falta você em você. Um dia ainda te preencho.

--

- Tira a roupa.

- Agora?

- Sim.

- Mas e se chegar alguém?

- Dane-se. Tira a roupa.

- Sei lá, tenho medo disso às pressas assim. A gente se conhece pouco e nem sei se vai ser muito definitivo, isso que temos.

- E daí? Tira logo.

- Você não se importa?

- Me importo com essa falação, cala a boca e tira a roupa.

- Tá.

--

- Que cara esquisita: tá pensando em quê?

- Quer mesmo saber?

- Fala!

- No dia da sua morte.

- Papo ruim. Não acha que está longe?

- Uai, mas vou passar esse tempo todo com você.

- Mas tá pensando no quê exatamente?

- Tenho medo de não conseguir chorar.

- Saiba que me fará um grande favor: eu até espero que não chore.

- Por quê?

- Porque não estarei vivo pra ver.

- Idiota.

--

- Hoje somos só amigos.

- É...

- Muita coisa mudou, desde então?

- Nada.

- Você tá muito calado.

- Você tá muito falante.

- Acho que aprendi alguma coisa.

- E eu esqueci bastante.

- Até do primeiro pensamento antes de respirar?

- Até.


4 comentários:

  1. Senti uma tristeza tão profunda lendo isso. As palavras pareceram tão tristes e vazias, como se elas mesmas estivessem sentindo aquilo que se passou.

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  2. Tem futuro, escreve muito bem

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  3. Muito bom gui. Fiquei feliz e triste ao mesmo tempo ao ler. Excelente trabalho. ^^

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