Não consigo esquecê-lo. Sinto sua pele seu cheiro seu gosto seu gesto sua marcha sua voz entremeada em suspiros. É fina como um sussurro é grossa como um rugido e é fogo e incendeia e até hoje me curvo à janela a única janela no meio do cômodo e quero mesmo é ouvi-la essa voz e senti-la mas ele não está lá e então ela não está lá.
E eu estou aqui. E essa sala é tão quente...
Quente como a voz e a foz dos meus desejos que precipitam no meu busto e eu aperto o meu busto e gemo um pouquinho pra ninguém. E de uma quentura que vem queimando o solo podre das paixões às águas sujas das paixões aos ventos lascivos das paixões. De vez em quando fica morno como o chuveiro que abençoava nós dois nas danças em chamas molhadas de entrega e eu me entregava como um presente (inútil) na sua ausência que viria depois e dançava e éramos um quando éramos dois. E então só faltava sair fumaça de onde é brasa o amor de outrora de onde são cinzas as cartas escritas que agora eu abro e mal leio porque dói. Felicidade dói tristeza dói ciúmes dói ódio dói amor então mais ainda. É quente e dói. Um espelho na sala e me vejo dramática torpe maldita suja puta execrável condenada fadada ao eterno martírio da solidão. Feia. Aqui (e só hoje) é quente como vulcão quente como sopro de dragão e sinto pêlos crepitarem e o tilintar da loucura pulsar minhas artérias obstruir a garganta colabar os meus pulmões a respiração começa a falhar.
Desespero.
Cambaleante eu vou para a cozinha meio tonta meio querendo ficar tonta mesmo já completamente embriagada e medíocre insípida nessa história de gente perdedora. Meus dedos não encostam com firmeza são todos flébeis são como extensões da minha alma tão minguante que em nada se fixa que nada cativa que em nada consegue se firmar porque firmar exige força e não há isso (nem nada) em mim. E na excrescência do já falado desespero escorrego com esses dedos de barro um dois três quatro cinco talvez até seis goles que viajam pelo meu corpo esguio de boneca boquiaberta melindrosa e a quentura se potencializa e o suor é o banho que eu não vou tomar. E o ponteiro vai zombando de minha cara e vai lento sem querer girar direito parece até que caminha ao contrário ou são meus olhos a vagar?
Eu sou a borboleta que perdeu a asa mais colorida e vai rodopiando e derrapando em pleno vôo em círculos em caracóis em redemoinhos que a levam ao mesmo lugar que é o duro do chão o implacável (e eterno) soco da realidade. Pois essa mesma borboleta aleijada quando casulo se fixou numa árvore hostil e foi comida foi tragada foi decomposta por outras lagartas famintas que ali mesmo defecaram numa cena risível tal qual patética. E os restos o vento dissolveu na extensão infinita dos ares de amarguras e asperezas até mesmo avarezas de sonhos estúpidos que eu ou o casulo ousamos sonhar. É difícil respirar. Era difícil respirar quando lagarta mesmo antes de casulo num rastejo em meio à bosta da minha vida decomposta que eu insistia em comer de novo nesse calor de deserto que é a fornalha dessa sala. E ao suor juntam as lágrimas lágrimas de lagarta manca que se afunda e se entristece eu me entristeço eu padeço nessas águas que não são as dele que eu sonharia em beber.
Mas são as únicas em que posso fenecer e então com toda a força que me resta das palavras das letras das linhas desse livro fino desse livro pobre e que ninguém vai ler do qual se teceu minha torpe vida com toda a força que reúno de minhas lamúrias: choro e choro e choro. E ainda está quente...
Atropelado.
ResponderExcluirLi num ímpeto, quase invadi o outro texto, depois voltei pro primeiro parágrafo, tentei juntar todos, vi que ficava estranho, desisti e acabei escrevendo um comentário como o personagem que mais parece um eu-lírico e no fundo é mesmo.
Desesperado, arrebatado.
Cara, você é foda.
Um abraço. Mas vê se escreve mais, porra.
Intenso do início ao fim. Curto e grosso, triste. Real, podre, imperfeito e sedento. Humano.
ResponderExcluirAmei mesmo esse.
TENSO! parece que o conto vai engolir a gente de tão envolvente.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEm todos os seus textos, por mais que diferentes, encontro sempre a beleza da imperfeição humana, e isso os torna facinantes!
ResponderExcluirEspero ansiosamente por outros!
Gostei da estrutura. Dá pra perceber o desespero do personagem não só na narrativa, mas tbm no texto como estrutura. Mto bem feito =D Parabéns Gui =D
ResponderExcluirPassando hoje para desejar um Feliz Natal, repleto de conquista, saúde, felicidade e muito amor no coração.
ResponderExcluirBeijão grande, fique com Deus.
Tata "Palavras ao vento"
Caralho! Me perdoe o palavrão, mas, cara, que texto sufocantemente delicioso de ler! Maravilhoso o teu ritmo. Belo blog!
ResponderExcluirGui, eu que aprendo com vc...
ResponderExcluirEste texto surpreendente... vc devia escrever todo dia, feito comer pão com manteiga... entende!?
Beijo
Feliz Natal!!!
nosssa Gui.
ResponderExcluirqe forte esse treeem !
nussa mãe.
acho incrivel a dose humana q vc colocaaa
de maneira tão real !
brilhante mesmo.
parabéns, mais uma vez.
Uh, um ritmo incessante! A ausência de vírgulas acentua os sentimentos da personagem, como alguém que balbucia palavras torpes sob o mormaço externo e dos próprios sentimentos. Enfim, muito muito bom, Gui!
ResponderExcluirSua intensidade vem da alma, só pode. Pois, só assim explica tamanho talento. Sua escrita tem algo passional, emocional, mas sem perder muito. Você não peca pelo excesso. É real e verdadeiro. Gostei da estrutura do texto, mas foi o tom do seu sentir que me cativou. Parabéns!
ResponderExcluirte sigo.
Ah
ResponderExcluirvc tava falando de mim né?
tenho CERTEZA!
Gui, não sei de onde vc encontra tantaaaaa imaginação e inspiração sério mesmo!
Lindo, a parte q ela fala que perdeu a asa, ah TUDO
lindo, eu amei!
só isso!
Olá Obrigado pela visita! Volte sempre mesmo ta! Também gostei bastante do seu blog!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQuando comecei a ler o texto foi me sugando, perdi muitas partes minhas nele também, e senti um vazio enorme quando ele acabou. É hiper intenso (foda-se se tem ou não hífen - estou anestesiado). Me faltam adjetivos para elogiá-lo.
ResponderExcluirVc tem livros escritos?
abraço,
Rapaz, uma escrita peculiar das que eu já vi em blogs. Não costumo a ler textos muito longos,mas o seu é impossível não lê-lo até o final.
ResponderExcluirPega na emoção da pessoa.
Muito bom. De excelente bom gosto!
Abraço
O Misantropo
@mersonbarcellos
Uau! É de tirar o fôlego!
ResponderExcluiridentifico-me hoje com o seu texto...
Porque aqui, hoje, tudo dói.
BeijO*
Adorei tudo por aqui..
ResponderExcluiros textos sao maravilhosos
parabens por seu trabalho
te sigo e te acompanho!
Uau.
ResponderExcluirDetesto - de verdade - dizer isso, mas: fiquei sem palavras, simplesmente. Fez-me imaginar a dor e angustia de viver, sendo, assim, dono de palavras espetaculares.
Obrigada pela visita ao meu blog e, depois de ler o que você escreveu, sinto-me honrada por saber que gostou do que eu escrevi. Feliz 2011.
Guii, vim reler - caraca vc demora um tantão pra postar, rs, que não me contento e venho reler tudo, sempre de novo e de novo!!
ResponderExcluirFeliz 2011. Luz! Inspirações!!
Beijocas se cuida
Conto muito denso, daqueles que deixam a gente com falta de ar.
ResponderExcluirO turbilhao de descriçoes, as palavras fortes, fazem com que o leitor seinta-se como o personagem.
Parabens pela vivacidade que suas palavras trazem ao leitor e por o deixa-los sem fôlego nas ultimas frases do conto.
Oi Guilherme, obrigado pelo comentário no Cine Freud.. seja bem vindo!
ResponderExcluirO teu texto não se destina a encantar as pessoas com finais e soluções felizes. O uso da lagarta e borboleta é bastante metafórico para se falar em mudanças ou não-mudanças.
Um abraço!
Olá, o livro ja foi lançado: www.marcelovinicius.com
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