Era difícil se concentrar na televisão com aquele berro. Podia-se ouvir, no quarto há alguns metros depois do corredor principal, o berço tremendo de medo na iminência da solidão. A face austera da mãe era incapaz de ignorar o fato. As sobrancelhas arqueadas e a respiração forte denunciavam uma piedade difícil de compreender. O mais velho, após algumas fracassadas tentativas de livrar o irmão, rendia-se.
- Mãe, você não fica com dó?
A mulher por um segundo ignorou-o. Atentou-se ao fim do barulho, quando finalmente o sono sobrepujou o medo e o bebê mergulhou no universo escuro de seu quartinho. Então, repousou o olhar cálido na outra cria e respondeu:
- É claro que fico, meu filho! Mas é necessário. Você custou para dormir sozinho justamente por isso. Todos te bajulavam demais. Parte o coração mesmo, mas logo ele se acostuma.
Deu-lhe um meio abraço e puxou-o para perto, desgrenhando sua cabeleira negra e lisa de criança. Antes do fim da novela, ordenou-o que dormisse e, algumas horas depois, ela fez o mesmo, cobrindo a casa com o manto de silêncio.
O neném de traços rechonchudos, careca brilhante e cheiro de sabonete barato, calmamente, ao sabor do tempo, cresceu. Dormia sozinho e sorria muito. Num dia quente, quando brincava no jardim mínimo da área de lazer do prédio, a mulher – já com traços mais severos – observava-o enquanto sua mente vagava em problemas aos montes.
- Vinícius! Não mate as plantinhas, meu filho...
Não conseguia deixar de rir daquela silhueta serelepe, que se emaranhava entre as folhas e, imitando inocência, levava as mãos às costas e as retirava dos galhos uma a uma. Logo ficava entediado e disparava a correr aleatoriamente. Lá ia Sueli atrás de seu pequeno filhote. Ao fim do dia, ele dormia abraçado ao seu ventre, enquanto ela se perdia naqueles problemas agora em montes maiores.
- O Topo Gigio foi à praia, com o calção que ele ganhou... Chegando lá ele gritou: o meu calção rasgou!
Entre adversidades e alguns momentos de paz, a sólida educação se embasou, e aquela atenção precisa não era muito necessária. Já adolescente, o filho mais novo resolvia-se bem no colégio e, de temperamento geralmente calmo, não trazia grandes problemas. No entanto, guardava as coisas para si. Ah, o olhar de mãe...
- O que você tem, Vini?
- Nada.
- Sei que tem algo, fale logo!
- Nada não, mãe.
- Se você não falar eu vou descobrir!
- Não se preocupe, não é nada.
Ao fim das palavras, uma compreensão mútua que excedia os laços de sangue. Aquela face de adolescente, que de maneira clara tivera seus primeiros contatos com a podridão da vida, dilatava-se em suas novas cicatrizes. Queria abraçá-lo e pô-lo pra dormir ao som das mesmas musiquinhas de outrora. Mas, como dizem, os filhos são para o mundo...
- Olha, Vini, você precisa entender que sua família é a única que está aqui por você. Amigos vão e vêm, e geralmente não se preocupam com você reciprocamente. Tudo tem limite, até a bondade.
Sempre emitia feições de que não entendia bem o que a mulher dizia, mas ela sabia que a mensagem estava entranhada no inconsciente. Era boa com o caçula, sem limites. E tinha tantas coisas pra pensar! Precisava trabalhar, cuidar da casa e evitar que a indiferença afundasse sua família. Às vezes se sentia carente, jogando ao ar palavras incisivas para o rapazinho.
- Cada um só sabe pensar em si mesmo, ninguém olha o meu lado!
OWNNNNNNNNNNNNNNNN
ResponderExcluireu queria ter esse dom da escrita as vezes, tenho inveja (saudavel ok?) lindo o conto! e num dia tao especial, sua mae merece! ^^
sem duvida é uma mae fantastica, e nao é atoa que agradeço todos os dias por ela ter tido o vinicios!
parabens mais uma vez!
<3
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Belíssimo!
ResponderExcluirManoO vai cagar ... você é fódah hein ... Me ensina como faz ??? abraços
ResponderExcluirfantástico Sr. Navarrrrro!
ResponderExcluire não sei pq, mas consegui visualisar com perfeição a parte das folhas arrancadas...
aushuahshasuahushasa
essa Sueli eh mesmo mto especial!
"e nao é atoa que agradeço todos os dias por ela ter tido o vinicios!"²
parabéns!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirmaravilhoso.
ResponderExcluirincrível a verossimilhança..
Este tocou bem suave, não sei se é pq
já, há alguns anos conheço tua mãe, então o q li, foi o q esperava msm ler..ela é uma grande mulher..
mães como um todo, são grandes mulheres, sempre munidas
de muita força que nem sabemos de onde vem, néh?
beijo Gui.