Ela pousou cuidadosamente a xícara na mesa - como se aquele
gesto, se atabalhoado, fosse quebrantar qualquer coisa sagrada que nos protegeria -,
incapaz de me dirigir o costumeiro olhar sumarento. Eu sorri, ainda assim.
Permaneceu alguns segundos observando as ondas do café na lagoa de porcelana,
velejando na calmaria dos líquidos, tão diferente da balburdia ao redor.
- Eu sei que não posso pedir isso, mas eu não queria que
você chorasse.
Seus fios de cabelo pareciam pequenas asas de inseto. Se
estapeavam à revelia do vento para depois se acomodarem em grandes grumos de
cor escura, trabalhando tranças que faziam estradas entre suas camadas de
flores e frutos. Cruzei os braços sobre a mesa e afundei a cabeça entre eles,
lateralmente, a observar a movimentação das outras pessoas naquele caos de
palavras e lágrimas.
- Não chorarei.
Ela deitou sobre minha cabeça fazendo as nossas orelhas opostas
se beijarem num vácuo de concha. Uma posição habitual de nós duas, das tardes
em que deitávamos no chão para ver o mundo de baixo. Mas havia um suor gelado
vindo dela, componente novo. Sua pele sempre fora tão seca para afagos e
beijos... Ficamos assim, ao dissabor do burburinho dos relógios. Eu gostaria de
esgotar todas as palavras do mundo, e cerrei as pálpebras na tentativa de encontrá-las.
Suicidaram nos precipícios tantos da consciência. Meu presente de despedida
seria o meu mais particular e execrável silêncio. Eu lhe daria meu silêncio. O
meu silêncio é muito mais trágico que as torrentes de lágrimas que ela tanto
temia. O meu silêncio é uma praia antiga aonde o mar nunca chegou. É uma ilha
submersa em sangue. É o suicídio feliz.
- Bem, eu preciso ir ao banheiro... Estou apertada!
Tão delicada em seus movimentos que eu precisei retesar até
sentir o grito da panturrilha nas pernas, para não ceder ao contrato e me
ajoelhar e vociferar chantagens proibidas e gritar e morrer. Para que ela então
ficasse. Desejei ter asas, mas o que ela me deu foi o aroma simples de uma rosa
branca, efêmera e plácida diante da morte. Dissolveu-se no ar. E assim tão
simples, havia uma cumplicidade solene entre as intenções para construir as
pétalas e as intenções por trás de tudo, onde todas elas nasciam. Pude vê-la
diminuir ao horizonte como um verdadeiro ponto sem cor, e então ela desapareceu
entre vultos e destinos, entre correntes. O tempo havia cravejado a sua foice
implacável em nós, e ela então voaria para outros braços e outros sorrisos.
Não sei quanto tempo se passou que fiquei ali, deitada,
tentando entender o que acontecia dentro do corpo. O tremor, as palpitações, as
visões de futuro. Com os olhos fechados dos que precisam urgentemente costurar
memórias para consolar a alma, murmurei o ódio e praguejei Deuses como nunca
antes na história da humanidade. Acho que foram horas, várias horas. Sei que
fiquei ali. Fiquei ali como prova da qualidade de raiz que eu a oferecia. Fiquei
ali até que o orgulho me beijou na testa e me fez dormir.
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